Neste Dia Internacional da Juventude, 12 de agosto, o CRESS Entrevista Nilmar Santos sobre as políticas públicas voltadas para esta população.
O assistente social analisa de que forma a conjuntura do país têm afetado as/os jovens brasileiras/os, principalmente negras/os e pobres, os desafios para o Serviço Social na atuação profissional, dentre outros pontos.
Nilmar é servidor público municipal na política de Assistência Social em Natal, docente do curso de Serviço Social da UNP e doutorando em Serviço Social pelo PPGSS/UFRN.
“Como pessoa negra, que contrariou as estatísticas e segue sobrevivendo, falar disso é rememorar/sentir o último grito por liberdade de George Floyd: eu não consigo respirar”, diz.
Confira a entrevista na íntegra
CR: Para você, como estão, hoje, as políticas públicas direcionadas para a juventude no Brasil?
NS: No geral, as políticas públicas nesta conjuntura atual estão ameaçadas, desmontadas, sucateadas, desfinanciadas no âmbito do governo federal. Para a juventude, sobretudo aquela oriunda das classes trabalhadoras, o desafio se torna ainda maior visto: educação, trabalho, esporte, cultura e lazer são as mais afetadas com o direcionamento levado a cabo a partir da agenda conservadora e reacionária que se instaura com mais severidade a partir do Golpe16.
Desde então, temos visto o apagamento da nossa juventude. Temos a alta mortalidade e violência contra a população LGBTQIA+ e destaque para os crimes de transfobia, mulheres e negras/os. Temos o racismo estrutural paralelo ao encarceramento e extermínio da juventude negra. É possível perceber em curso um projeto de negligenciamento na atenção para com as especificidades deste segmento populacional. Penso que a juventude carece de políticas públicas voltadas para suas necessidades nesta temporalidade tão desafiadora em que nos encontramos na realidade brasileira.
CR: Sabemos que a juventude negra vem sendo exterminada no país, sobretudo pelo Estado. Que análise você faz desta situação?
NS: Nunca se fez tão importante conhecer a nossa história. Não aquela contada nos livros convencionais da educação burguesa, mas a história real e perene da nossa sociedade fundada sob o racismo e o escravagismo. Entender o processo de dominação da elite brasileira com seus traços conservadores da cultura senhorial, patrimonialista e coronelista é um elemento importante para que possamos reconhecer as expressões do racismo estrutural que sustenta e perpetua a violência institucional que está impregnada em nossas legislações, valores, costumes e cristalizado na classe política.
Não só a diminuição na obrigação de proteção social, mas o enrijecimento ideológico calcado no fundamentalismo religioso e no profundo alinhamento com a reprodução do modo capitalista nos coloca diante de um Estado cada vez mais violento, bélico, assassino. Ao lembrar de Miguel, Ágatha, Marielle, identificamos a dor, a revolta e a necessidade de resistência e insurreição contra o modelo de sociedade que vivemos, onde é um crime passível de punição e privação de liberdade incendiar estátua de racista, mas não o é desviar recursos da vacina contra a Covid-19, incendiar florestas, fazer apologia à ditadura militar, atirar 80 vezes contra um carro e um motorista negro dito suspeito. Como pessoa negra, que contrariou as estatísticas e segue sobrevivendo, falar disso é rememorar/sentir o último grito por liberdade de George Floyd: “eu não consigo respirar”.
CR: Quais os desafios e perspectivas para as/os assistentes sociais que atuam diretamente com a juventude?
NS: Às/aos assistentes sociais, sejam aquelas/es que atuam diretamente com a juventude, sejam aquelas/es que ocupam os mais diversos espaços privilegiados da intervenção profissional, resta urgente o compromisso de seguir na luta contra o racismo. Luta que só pode se traduzir em ações concretas no cotidiano profissional se houver compromisso com os valores e princípios elencados no nosso Código de Ética profissional. Igualmente, atualizar o conhecimento nessa área com vistas a perseguir a educação permanente na intencionalidade de fortalecer projetos, iniciativas e práticas emancipatórias deve ser nosso horizonte estratégico para dar respostas profissionais que promovam a cidadania e a justiça social.
Sem perder de vista os desafios e limites que temos de enfrentar no cotidiano, nos espaços de trabalho, nas disputas pela direção social e a correlação de forças, é preciso apostar na nossa autonomia profissional que, embora relativa, deve oxigenar nossa capacidade de fazer política e mobilização em defesa dos direitos e dos interesses da classe trabalhadora, principalmente da juventude, que deve estar preparada para enfrentar os desdobramentos da crise econômica, política e social acentuada agora com a crise sanitária. As consequências serão avassaladoras. A luta e a força revolucionária da juventude devem ser também nossos instrumentos de trabalho profissional.
CR: Qual o papel dos movimentos sociais, organizações e entidades na defesa da juventude brasileira e na construção de novos caminhos que tragam um novo horizonte?
NS: Contraditoriamente, a forma mais segura de controlar a pandemia da Covid-19 é por meio do distanciamento social. Num momento onde os valores do hiperindividualismo, meritocracia, empreendedorismo estão no centro das ações estratégicas da política brasileira, fortalecer a socialização da participação política e fomentar a organização político-partidária, sindical e da militância me parece uma necessidade que demanda o Serviço Social. Isto porque as estratégias e táticas de enfrentamento carecem de inovação, mas penso que o elemento da coletivização das necessidade e das resistências permanece como alternativa possível diante da realidade e da construção da sociedade que queremos.
Aos movimentos sociais populares, organizações da classe trabalhadora, entidades representativas do interesse social das classes trabalhadores, a juventude, cabe um papel decisivo na mobilização e enfrentamento, que se farão necessários para barrar o processo de destruição do Estado-nação brasileiro. Fortalecer estas ações e ampliar o alcance desta informação é tarefa que demanda, também, o Serviço Social. Nosso trabalho segue no sentido de atender às demandas da reprodução social, por isso mesmo nossa capacidade de fazer política com direção social e no rumo da emancipação humana é contribuição importante para o fortalecimento desses espaços e lutas. A luta e a resistência devem ser coletivas, pois isoladamente nos tornamos alvos ainda mais fáceis. Juntos podemos organizar revolução, “sem movimento não há liberdade”.