Em alusão ao Dia Mundial da Saúde Mental, 10 de outubro, o CRESS Entrevista Ana Paula Xavier, nesta edição, para falar sobre o tema e sobre a sua atuação profissional na área.
Ana é assistente social do Centro Integrado de Psicologia e Psiquiatria de Parnamirim (CIPP), mestre em Serviço Social pela UFPB e especialista em Urgência, Emergência e Trauma pela UPE.
“O atual estágio da Política de Saúde Mental praticada no âmbito municipal e estadual constitui reflexo direto das mudanças operadas no nível Federal, com a intensificação das propostas neoliberais, com mudanças que vão de encontro aos princípios e direitos conquistados com a Reforma Psiquiátrica”, afirma.
Confira a entrevista:
CR: A questão da saúde mental ficou ainda mais evidente com a pandemia. De que forma você, como assistente social, tem atuado neste enfrentamento no seu espaço de trabalho?
AP: A pandemia da COVID-19 agudizou profundamente as desigualdades e as expressões da questão social em nosso país. No âmbito da saúde mental, apresentou um expressivo crescimento de pessoas com sofrimento mental devido ao período de distanciamento social, quarentena ou isolamento, resultando na perda ou redução significativa de renda pela impossibilidade de trabalhar, aumento da violência sexual e doméstica, bem como alterações significativas na rotina, impulsionando, assim, a procura pela assistência nos dispositivos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Pensar o cuidado em saúde mental pressupõe a compreensão de que o cuidado em saúde disponibilizado pela RAPS deve ultrapassar a lógica do atendimento fragmentado em práticas e saberes isolados, historicamente marcados pelas ações profissionais individuais em especialidades. O CIPP contribui com a assistência integral aos indivíduos e famílias, em todas as fases do desenvolvimento humano: infância, adolescência, adultos e da pessoa idosa.
O Serviço Social incorpora-se na Equipe Multiprofissional de Atenção Especializada em Saúde Mental, aqui representada pelo dispositivo de cuidado ambulatorial denominado CIPP, como núcleo profissional potencializador de articulações intra e intersetoriais, bem como nas orientações acerca das ações e serviços socioassistenciais passíveis de serem acessados pelos usuários da Política de Saúde Mental na efetivação da longitudinalidade do cuidado preconizada no SUS. A longitudinalidade apresenta efeitos benéficos no sistema de saúde com o melhor reconhecimento das necessidades dos usuários, diagnóstico mais preciso, redução de custos e de hospitalizações, melhor prevenção e promoção da saúde e maior satisfação dos usuários.
CR: Como você avalia, hoje, as políticas públicas de saúde mental nos âmbitos municipal, estadual e federal?
AP: A Política de Saúde Mental foi fortalecida e estabelecida a partir das conquistas alcançadas pelo Movimento de Reforma Psiquiátrica. Este movimento, iniciado na década de 1980, carrega em seu percurso histórico propostas que orientam um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais. Ele contou com a participação e apoio de diferentes seguimentos da sociedade e dos próprios sujeitos que vivenciam o transtorno mental (familiares, profissionais de distintas áreas e do Movimento Sanitário), e suas propostas foram discutidas político e socialmente no âmbito da sociedade brasileira. Articulado às propostas do SUS, o campo da Saúde Mental é orientando por normativas estabelecidas a partir da Reforma Psiquiátrica, que tem na Lei N° 10.216, de 06 de abril de 2001, sua principal expressão.
A RAPS, que direciona os pontos de atendimento em Saúde Mental, foi alterada por meio da publicação da Portaria N° 3588, de 21 de Dezembro de 2017, e passa a contar, dentre outros dispositivos assistenciais em saúde mental, com o Ambulatório Multiprofissional de Saúde Mental – Unidades Ambulatoriais Especializadas. “Constituindo estratégia para atenção integral à pessoa com transtornos mentais moderados […], as equipes têm como objetivo prestar atenção multiprofissional em saúde mental […], integrando-se aos demais serviços das redes de atenção à saúde […] e com o Sistema Único de Assistência Social, de forma a garantir direitos de cidadania, cuidado transdisciplinar e ação intersetorial” (Portaria N° 3588/2017 – Art 50-J e 50- K).
Percebe-se claramente que, no texto normativo contido nesta Portaria, há ênfase na reformulação da implantação e implementação dos ambulatórios, sob uma perspectiva integradora, resolutiva e ampliadora do acesso e da assistência em saúde mental.
Todavia, a Reforma Psiquiátrica é um processo político e social complexo que nos últimos anos tem sido marcado pelo aprofundamento dos desmontes dos direitos sociais e subfinanciamento do SUS e na Política de Saúde Mental, que repercute as fragilidades na gestão e nas articulações dos serviços socioassistenciais. O atual estágio da Política de Saúde Mental praticada no âmbito municipal e estadual constitui reflexo direto das mudanças operadas no nível Federal, com a intensificação das propostas neoliberais, com mudanças que vão de encontro aos princípios e direitos conquistados com a Reforma Psiquiátrica.
CR: Quais os desafios e possibilidades da atuação da/o assistente social na Política de Saúde Mental em um contexto de tantos retrocessos?
AP: Vejo como alguns desafios: superar o distanciamento nas articulações entre pontos de atenção da RAS e RAPS e sua consequente fragilidade na compreensão sobre atribuição e competência de cada serviço assistencial em saúde; alterações recorrentes de gestores na condução da Política de Saúde Mental do Município, o que, por sua vez, reverbera na descontinuidade das ações e intervenções profissionais; ausência de espaços que promovam capacitação continuada dos profissionais que atuam na RAPS, por meio da proposta da Educação Permanente em Saúde, e contar com uma Gestão/Direção comprometida com o direito de acesso do usuário ao serviço, alinhada com a valorização e reconhecimento da importância da categoria profissional no cuidado em saúde mental.
Como algumas possibilidades, cito: acesso à Saúde Mental enquanto direito que deve ser promovido pelo Estado via política pública; ser viabilizador de acesso à informação para a população usuária, de modo a potencializar sua participação no processo de cuidado em saúde mental; pautar o trabalho em normativas da categoria profissional (Código de Ética Profissional e Lei de Regulamentação da Profissão), prezando a autonomia no direcionamento/condução do trabalho e associando às demais defesas de direitos reconhecidos pela Política de Saúde, Saúde Mental e demais políticas públicas; articulação e defesa da intervenção profissional ética e pautada na viabilização dos direitos dos usuários dos serviços de saúde, na atuação interdisciplinar e intersetorial e a materialização do papel e compromisso assumido pelo Núcleo de Serviço Social na condução do seu trabalho junto à população, que demandam ações e serviços de saúde (elaboração e implantação de Projeto de Trabalho Profissional).
Todas essas demandas caracterizam-se pela complexidade de sua natureza, de intervenções profissionais alinhadas à compreensão dos fatores biopsicossociais que originam e interferem no cuidado em saúde mental na perspectiva do acolhimento e da garantia de direitos dos usuários da saúde.
CR: O que a sua vivência nesta área tem te proporcionado pessoal e profissionalmente?
AP: A atuação e vivência na Saúde Mental tem proporcionado, sobretudo, uma intervenção profissional voltada para inclusão dos usuários dos serviços de saúde e seus familiares no acesso aos direitos sociais, alinhada aos princípios, diretrizes e orientações das diferentes Políticas Públicas brasileiras, precisamente da área da Saúde e Saúde Mental, a partir da defesa da Rede de Atenção à Saúde e Rede de Atenção Psicossocial, orientado pelo Código de Ética Profissional e a Lei de Regulamentação da Profissão, que indicam os rumos e as defesas sustentadas pela categoria profissional para o fortalecimento da democracia.