Debater o trabalho de assistentes sociais na Política sobre Drogas e Saúde Mental, reafirmar o posicionamento da categoria contra as Comunidades Terapêuticas (CTs) e a internação compulsória, denunciar o retorno de manicômios como forma de tratamento para as pessoas com sofrimento mental.
Estes foram alguns dos eixos que marcaram a primeira edição do Seminário Nacional O Trabalho do/a Assistente Social na Política sobre Drogas e Saúde Mental, realizado nos dias 29 e 30 de maio de 2018, em Brasília (DF), pelo CFESS e o CRESS-DF.
Mais de trezentas pessoas, entre assistentes sociais, estudantes de serviço social, outras categorias profissionais, usuários/as da política de saúde mental e militantes da luta antimanicomial participaram do evento, mesmo em uma conjuntura de paralisações de serviços e greve dos/as caminhoneiros/as.
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O agradecimento à disposição de quem participou, a acertada decisão política de se manter a realização do evento em uma conjuntura complexa e contraditória e, principalmente, a urgência de se debater a temática foram alguns dos assuntos abordados pela mesa de abertura, composta por representantes da Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social (Enesso), da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (Abepss), da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), do CRESS-DF e do CFESS. A conselheira e coordenadora da Comissão de Seguridade Social do CFESS, Elaine Pelaez, afirmou o caráter de resistência do Seminário, fazendo uma analogia à campanha do Dia do/a Assistente Social deste ano.
A primeira mesa de debates, a Política de Saúde Mental no Brasil: avanços e retrocessos, cumpriu sua proposta de fazer um breve histórico da luta antimanicomial e apontar os desafios para trabalhadores/as e usuários/as da política.
O médico e professor da Fiocruz, Paulo Amarante, ao recuperar a terrível memória dos manicômios no país, ressaltou que as pessoas que viviam nesses espaços eram “mortificadas, isoladas, esquecidas”, mas que foram “ressuscitadas”, reforçando o impacto que a luta antimanicomial e a reforma psiquiátrica tiveram e têm na vida da população usuária. “Hoje essas pessoas têm projetos de vida”, enfatizou. Amarante criticou o modelo manicomial, hospitalocentrico e medicamentoso que o atual governo tem tentado trazer à tona novamente, denunciando a patologização e a medicalização de transtornos, sem levar em consideração a complexidade da experiência humana das pessoas com sofrimento mental.
Em seguida, a assistente social e professora da Universidade de Alagoas (Ufal) Rosa Prédes denunciou o caráter conservador e retrógado das comunidades terapêuticas (CTs), alertando a categoria para a reprodução de discursos de privação e abstinência, que perpassam culturas autoritárias e remetem a uma lógica que fere a princípios fundamentais do/ assistente social, como a defesa da liberdade e da autonomia dos indivíduos. A assistente social criticou o desfinanciamento dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) em prol das CTs, que têm sido espaços de violação de direitos humanos. Em outras palavras, é o Estado brasileiro financiando instituições privadas (muitas de cunho religioso) que contrariam à lógica de atenção apontada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e desrespeitam os direitos da população usuária. Nesse sentido, Rosa Prédes alertou aos/as às assistentes sociais que trabalham nas CTs que a crítica do Conjunto CFESS-CRESS não é ao/à profissional individualmente, mas a forma como a política de Saúde Mental vem sendo tratada.
Para fechar a mesa, a representante do movimento da Luta Antimanicomial, Graça Loureiro, fez um relato de sua experiência pessoal (ela tem um filho usuário da política de saúde mental) e foi categórica ao afirmar que trancafiar as pessoas não é solução. Segundo ela, a população usuária da saúde mental precisa de todas as políticas, como esporte, lazer, alimentação, entre outras, e que a atual política do governo é uma política velha, que remonta tempos sombrios de hospícios. Graça convidou as pessoas a conhecerem um Caps, defendendo-o como melhor alternativa para quem precisa de atendimento, e fez um apelo à categoria de assistentes sociais para atendimento de qualidade à população usuária.
No dia seguinte (30/5), a mesa Política Nacional de Álcool e outras Drogas e as repercussões para o trabalho profissional, aprofundou a crítica às comunidades terapêuticas.
A assistente social e conselheira do CRESS-CE, Cynthia Studart Albuquerque, defendeu a posição de que o proibicionismo das drogas não resolve a questão e que há interesses explícitos do capital sobre esse proibicionismo. Em sua análise, a base do proibicionismo tem classe, cor e gênero, ou seja, se a pessoa é branca, ela é considerada “dependente”, e se é negra, é traficante. Ela afirmou que as CTs são uma opção de “política pobre” para a população pobre, que só reforçam a criminalização da pobreza. Esse modelo, que preza pela internação compulsória, atende a interesses econômicos e políticos do capital e, não obstante, assume caráter higienista, já que se voltam para os/as usuários/as em situação de rua.
Em seguida, a assistente social e conselheira do CFESS Solange Moreira apresentou dados alarmantes de um levantamento feito pelo Conjunto CFESS-CRESS, a partir de visitas de Orientação e Fiscalização dos Regionais, acerca do trabalho de assistentes sociais nas CTs. Entre as aberrações encontradas estão o grande número de assistentes sociais em regime de voluntarismo, a prática de terapias alterativas, alternativas como atendimento espiritual, físico e psicológico, atividades terapêuticas, a laboraterapia (o trabalho forçado), a realização de atividades de cunho religioso, entre outros. Segundo ela, tais dados não só reforçam que as CTs estão na contramão do que deve ser o atendimento à população usuária da saúde mental, mas também ferem a Lei de Regulamentação da Profissão (Lei 8.662/1993) e o Código de Ética da categoria.
A última mesa de debates do Seminário apresentou um debate sobre a subjetividade e a interdisciplinaridade na Saúde Mental. A presidente do CFESS Josiane Soares falou sobre como o conservadorismo, ainda presente no Serviço Social brasileiro e na sociedade, se reflete na tônica do Estado nas respostas às questões que envolvem o uso de drogas, resultando na culpabilização, criminalização dos indivíduos. Ela destaca que o debate da subjetividade de forma autocentrada é um engodo, já questão da subjetividade não pode ser tratada como questão existencial ou clínica. Pelo contrário, em sua análise, Josiane ressaltou que a saúde tem determinantes sociais e, que precisamos discutir a questão da subjetividade, a partir das condições objetivas da população usuária. E é aí que, segundo ela, está uma das grandes contribuições do trabalho do/a assistente social.
Para encerrar esse debate, a assistente social e conselheira do CRESS Pollyana Pazolini defendeu que o trabalho em equipe interdisciplinar é fundamental, mas que não pode se sobrepor às nossas atribuições e competências no campo da saúde mental. Ela reafirmou que o trabalho de assistente social deve pautar-se na defesa da autonomia, cidadania e direitos humanos dos/as usuários?as, e para tanto, precisamos refletir cotidianamente a direção das ações profissionais da categoria.
O evento foi encerrado por uma mesa composta pelo CFESS e CRESS-DF, que destacou a qualidade dos debates e a participação presencial e on-line das pessoas.
O Seminário foi transmitido ao vivo pelas redes sociais do CFESS, com grande audiência, e está disponível na íntegra para ser assistido a qualquer momento no canal do CFESS no YouTube ou nos links abaixo.
Seminário Nacional O Trabalho do/a Assistente Social na Política sobre Drogas e Saúde Mental
29/5/2018 – 1º dia de evento
30/5/2018 – 2º dia de evento – manhã
30/5/2018 – 2º dia de evento – tarde