Cress Entrevista Luiz Júnio Almeida sobre suicídio e saúde mental

Encerrando o mês de setembro, o Cress Entrevista aborda uma temática que ainda é tabu social: o suicídio. A campanha Setembro Amarelo pretende conscientizar para o problema, debatendo-o e prevenindo-o numa abordagem multidisciplinar. Nesta edição, conversamos com o professor Luiz Júnio Almeida, assistente social e professor da Universidade do Estado do RN (Uern). Especialista em Educação e Contemporaneidade, ele supervisiona grupos de estágio e orienta monografias na área de saúde mental, além de dar palestras sobre o tema.

Luiz Júnio explica a relação das problemáticas sociais com o suicídio, que vão além do aspecto emocional, e fala também sobre saúde mental e reforma psiquiátrica. Segundo ele, o Brasil está entre os 10 países do mundo em que mais se comete suicídio. “Numa equipe multidisciplinar, é de suma importância a intervenção do/a assistente social, visando a prevenção e explicitando essas expressões que muitas vezes estão invisibilizadas, culpabilizando na maioria das vezes o sujeito que comete o suicídio”, afirmou.

Fotos: Cedidas/Arquivo pessoal

 

Confira a entrevista

C: A campanha Setembro Amarelo tem o objetivo de dar mais visibilidade ao suicídio, um assunto que ainda é tabu na sociedade, ajudando na prevenção. Sob que perspectiva o/a assistente social pode trabalhar, de forma multidisciplinar, atuando nessa prevenção?

LJ: O/a assistente social trabalha intervindo nas múltiplas expressões da questão social. Hoje sabemos que essas expressões se tornam cada vez mais explícitas e intensas com a crise estrutural do modo de produção capitalista, daí a necessidade de uma maior intervenção desse/a profissional nas diversas áreas de trabalho. No que se refere a temática em voga, o/a profissional de Serviço Social pode trabalhar intervindo nos condicionantes e determinantes sociais que podem acarretar o suicídio. É sabido que, no contexto atual, essa prática não está ligada apenas ao aspecto emocional, mas também a fatores econômicos, sociais, políticos e culturais. Numa equipe multidisciplinar, é de suma importância a intervenção do/a assistente social, visando a prevenção e explicitando essas expressões que muitas vezes estão invisibilizadas, culpabilizando na maioria das vezes o sujeito que comete o suicídio. 

C: Você tem dados sobre os números de suicídio aqui no estado e/ou no país? Os casos estão ligados a alguma problemática social?

LJ: De acordo com dados do IBGE, o Brasil está entre os 10 países do mundo em que mais se comete suicídio. Estimativas apontam que cerca de 20 pessoas cometem suicídios diariamente nas grandes regiões brasileiras. Em termos globais, a cada 40 segundos tem uma pessoa ceifando sua própria vida. O RN, se for ranquear entre as 27 unidades federativas do país, encontra-se na 20ª posição, com aproximadamente 200 suicídios por ano. Esses números, que vêm aumentando consideravelmente nos últimos anos, aponta sim para problemáticas sociais. Hoje, a situação da classe trabalhadora vem se precarizando cada vez mais. Temos casos recentes de pessoas que, além de cometerem o suicídio, dizimam sua família inteira, alegando não ter condições de arcar com os gastos financeiros. A problemática do desemprego aumenta cada vez mais o número de pessoas com depressão, ansiedade, stress, dentre outros fatores que estão ligados diretamente à prática do suicídio.

C: Para você, qual a relação entre a questão do suicídio e a abordagem da saúde mental no Brasil, hoje?

LJ: O suicídio no Brasil muitas vezes é tratado como um caso de polícia, e a investigação sobre os fatores que levaram a tal ato na maioria das vezes passa pela mão de uma equipe de investigação policial. Mas esses casos têm relação direta com a saúde mental. No meu ver, essa relação com a saúde mental ainda é bastante delicada. A abordagem das equipes de saúde mental no Brasil, em sua maioria, trabalha com os aspectos de combate aos transtornos mentais e surtos psicóticos. Não temos ainda em nossa realidade uma cultura de combate e prevenção ao suicídio, o próprio sistema não aponta diretrizes. Assim, se faz necessário fortalecer e criar estratégias para a relação entre essa questão e a saúde mental.

C: Quais os desafios atuais para as redes de atenção psicossocial?

LJ: São inúmeros. Hoje, a rede de atenção psicossocial se encontra bastante fragilizada. A própria rede de saúde por si só já encontra suas dificuldades e, com a de atenção psicossocial que tem suas peculiaridades dentro da saúde, se torna mais precária ainda. Um dos grandes desafios para as redes de atenção psicossocial é a questão da articulação entre as equipes e os serviços, pois muitas vezes há uma dificuldade de encaminhar os usuários de uma instituição para a outra, e a própria equipe multidisciplinar tem dificuldades de realizar esse trabalho com o usuário do serviço, preponderando, muitas vezes, o papel do psiquiatra como centralizador das equipes. Isso pode dificultar uma intervenção mais completa em relação a esse usuário que acessa os serviços de saúde mental. Outro desafio é oferecer esses serviços com o corte cada vez maior do Estado nas finanças públicas, o que rebate direto nas instituições de saúde mental, precarizando e dificultando o serviço.

C: Na articulação entre as diversas profissões da área da Saúde, juntamente com os movimentos sociais, como você vê o papel de assistentes sociais na luta antimanicomial?

LJ: O papel do/a assistente social é de suma importância nesse movimento. Nossa profissão já tem um histórico de engajamento político e articulação com os diversos movimentos sociais e com as bandeiras de luta da classe trabalhadora, não seria diferente na luta antimanicomial. Tivemos um papel muito importante na luta em defesa da reforma psiquiátrica juntamente com os demais trabalhadores da saúde mental. Então, vejo como essencial para o fortalecimento dessa luta o nosso papel, visando fortalecer e articular esses movimento com os demais em defesa da saúde.

C: Quais as perspectivas que você coloca para a reforma psiquiátrica no Brasil de hoje?

LJ: No atual momento, nos encontramos em uma conjuntura nefasta para a classe trabalhadora e para a defesa dos direitos sociais. Vivemos um momento de golpe democrático e de posturas fortemente conservadoras que vêm dilapidando conquistas que foram obtidas através de lutas históricas desses trabalhadores. Nesse contexto, as perspectivas para a reforma psiquiátrica são de luta para manter o que conquistamos até agora e para buscar uma maior legitimação. Hoje já escutamos a volta de se trabalhar a saúde mental com um direcionamento manicomial e filantrópico, cada vez mais os serviços vêm se tornando sucateados e obsoletos. Nesse cenário, o usuário volta a ser responsabilidade da família somente, e o Estado vai cada vez mais se isentando da sua responsabilidade de prover os serviços e garantir os direitos aos sujeitos acometidos com transtorno mental. Então, a perspectiva que se apresenta é de luta por um modelo de saúde mental embasado nas bandeiras da reforma psiquiátrica e sanitária e de maior visibilidade dessa área. Não podemos permitir novamente que os nossos usuários sejam enjaulados e passem por terapias anacrônicas.

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