A análise da conjuntura política do país, divulgada pelo CFESS há duas semanas, apontou uma série de provocações sobre o momento político brasileiro e, principalmente, preocupações acerca da crescente onda conservadora que ataca reivindicações históricas da classe trabalhadora.
Além de atento e posicionado neste contexto, o Conselho Federal tem acompanhado e participado das lutas gerais de trabalhadores e trabalhadoras, seja nas ruas ou nos espaços de controle social, e dado destaque às pautas mais específicas do Serviço Social brasileiro, a exemplo dos projetos de lei (PL) diretamente ligados às condições de trabalho da categoria de assistentes sociais.
A tensão política dos últimos meses tem influenciado diretamente nas pautas e votações no Congresso Nacional, que emperrou de vez a análise de matérias que poderiam garantir direitos da população brasileira.
Se antes parlamentares já não demonstravam esforço em acelerar a tramitação de projetos de interesse da classe trabalhadora, votando seletivamente aqueles que agradam o empresariado e o próprio corpo parlamentar, agora, em meio à guerra política, denúncias de corrupção e ataques entre os partidos políticos, pautas progressistas são totalmente ignoradas e esquecidas.
Nesse bojo, estão os projetos de lei que impactam diretamente nas condições de trabalho e nos campos de atuação de assistentes sociais, como o PL 5.278/2009, que dispõe sobre o piso salarial da categoria, ou o PL 430/2015, que trata das condições de trabalho, entre outros.
Em todo o país, assistentes sociais vêm se indignando cotidianamente com as condições salariais da categoria, reconhecendo também que a precarização atinge amplos setores da classe trabalhadora e que a luta deve ser coletiva.
Nesse sentido, o CFESS e o grupo de assistentes sociais Mobiliza Brasil, que reúne profissionais, estudantes e entidades, têm dado destaque à pauta do piso salarial e de outros projetos de interesse da categoria.
E para falar um pouco sobre estas temáticas em uma perspectiva mais ampla, abordando o mundo do trabalho em meio a esse turbilhão de acontecimentos, o CFESS conversou com o sociólogo e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Ricardo Antunes. Autor de livros considerados parte da bibliografia básica no Serviço Social, como Adeus ao Trabalho (1995) e Os Sentidos do Trabalho (1999), Antunes afirmou que só a mobilização da categoria será capaz de reverter o quadro de precarização das condições de trabalho de assistentes sociais.
CFESS – Hoje, a categoria de assistentes sociais, assim como toda a classe trabalhadora, vem sofrendo ataques às suas condições de trabalho: salários baixíssimos, desrespeito à Lei que reduziu para 30 horas a jornada de trabalho, realização de tarefas para além daquelas estabelecidas pela Lei de Regulamentação, entre outros. Dentro dessa perspectiva, e a partir de parte de sua obra acerca do tema, principalmente no que diz respeito ao alargamento das formas precarizadas de trabalho, de que maneira você analisa este momento?
Ricardo Antunes – Estamos vivemos num contexto muito contraditório no país. Nos últimos anos, foi possível avançar em algumas conquistas categorias e de grande relevância, mas bastante pontuais. Um exemplo é a ampliação de toda a legislação protetora do trabalho para as trabalhadoras domésticas (Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015). Esse foi um avanço muito importante que, assim como qualquer direito conquistado pela população, teve, como contrapartida, a burla. Certamente, o número de patrões nas casas do Brasil que estão seguindo à risca esta legislação social protetora do trabalho é menor do que quantidade de trabalhadoras domésticas que estão tendo seus direitos garantidos. Isso mostra que quando se tem um avanço efetivo, este é frequentemente barrado pela prática concreta do aviltamento do trabalho. O mesmo pode se dizer sobre a redução da jornada de trabalho das assistentes sociais. Um direito garantido por lei, mas que vem sendo burlado a partir de uma propositura do governo federal. Estamos presenciando uma ampliação do assalariamento dos serviços sociais e sua proletarização, essa entendida como precarização do trabalho. Como a precarização é um processo, um movimento, ela pode ser maior ou menor. Se você estabelece a jornada de 30 horas e ela é efetivada, isso é um avanço pra quem trabalhava 40 ou 44 horas. Mas se você estabelece a jornada de trinta horas e continua trabalhando quarenta, é porque você está sofrendo um processo de precarização, seja pelo aumento da carga de trabalho, seja pela burla de um direito legal.
CFESS – Dentro dessa perspectiva, qual o significado e importância de se ter um piso salarial?
Ricardo Antunes – Ter um piso salarial significa demarcar que a classe trabalhadora não deve aceitar receber menos do que o estabelecido por lei. E lutar por um piso salarial é enfrentar a precarização das condições do trabalho. Entretanto, não basta lutar para se ter um piso. É preciso lutar para que ele seja respeitado. Veja como exemplo professores e professoras do ensino público, que possuem um piso salarial, mas que muitos estados e municípios não cumprem por falta de obrigatoriedade no cumprimento da Lei. Então, o primeiro passo que as assistentes sociais devem dar é conseguir a aprovação de um piso salarial digno. Em seguida, lutar pela sua implementação. Hoje, o que as classes dominantes querem é uma política de flexibilização, onde o negociado se sobrepõe ao legislado. A barbárie é completa.
CFESS – E como enfrentar esses ataques?
Ricardo Antunes – Somente através de mobilização e resistência. Vou dar um exemplo. No ano passado, a Câmara dos Deputados, por meio de manobra do deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ) votou, na calada da noite, o então PL 4.330/2004 (agora PLC 30/2015), que leva à terceirização total. Sua votação ocorreu de forma bruta e esmagadora por um parlamento aviltado, que faço questão de ressaltar que é o mais degradado de toda a história brasileira e que chamo de “parlamento de negócios”. Assim que o PL foi votado na Câmara, houve uma expressiva mobilização no Brasil de sindicatos e centrais sindicais, movimentos sociais etc. que deram visibilidade aos perigos da votação e aprovação do projeto de lei, impulsionando um movimento nacional de recusa ao projeto, com ameaça de greves e paralisações. Semanas depois, esse PL foi colocado em votação novamente e, embora aprovado e comemorado pelas classes dominantes, ele foi menos votado, comparado à primeira votação, e sofreu uma série de alterações e correções. E por que isso ocorreu? Porque houve mobilização. Hoje, o PL da Terceirização está no Senado (PLC 30/2015). Se ele for colocado em votação, será necessário convocar uma greve geral dos trabalhadores e trabalhadoras contra sua aprovação. Portanto, só há um jeito de impedir as derrotas dos direitos do trabalho: com resistência, denúncia e mobilização.
*Fonte: CFESS