A data de 25 de novembro é especial para o movimento feminista em todo o mundo. Hoje, celebra-se o Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher. É nesse sentido que se torna urgente a proposição de políticas públicas de enfrentamento às desigualdades de gênero, tendo em vista que só haverá uma sociedade emancipada quando se romperem as estruturas do capitalismo patriarcal, que tão bem se articulam com a dominação étnico-racial e de gênero da sociedade atual.
CFESS entrevista assistente social e aponta desafios na luta contra a violência
Por isso, o CFESS entrevistou a conselheira da Comissão de Ética e Direitos Humanos do CFESS, Maria Elisa Braga, que também é assistente social da Casa Eliane de Grammond (SP), o primeiro equipamento público de referência no combate à violência contra a mulher no Brasil. Abaixo, a entrevista completa, que traz uma breve análise sobre a violência contra a mulher no país, dados estatísticos e desafios a serem enfrentados. Confira:
CFESS – Por que os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2013) apontam que a violência contra a mulher tem aumentado, quando verificamos a construção de políticas públicas e de uma lei afirmativa de direitos (Lei Maria da Penha)? Nesse contexto, por que o machismo, expressão popular do patriarcado, persiste e se agudiza cotidianamente na vida das mulheres?
Maria Elisa Braga – Vivemos ainda sob o domínio de um sistema patriarcal construído há milênios. No entanto, devido a uma forte atuação do movimento feminista a partir do final da década de 1950 no mundo, e na transição dos anos 1970 para 1980 no Brasil, houve mais alterações nas relações entre os sexos e a visibilização das assimetrias de gênero do que nos sete mil anos anteriores de história deste patriarcado. Isso provocou a construção e materialização de direitos para as mulheres, como políticas, legislações e serviços afirmativos, que reconhecem e fazem enfrentamento às desigualdades e violências de gênero. Além da relação com o capitalismo, o patriarcado se potencializa com outros sistemas de dominação – como o racismo e o heterossexismo – bem como com todas as formas de fundamentalismos presentes na onda conservadora atual. Assim este patriarcado construiu conceitos, que se materializam na ideologia machista e em uma rede de poder e controle que quer se perpetuar. Ao analisarmos esse contexto, é que podemos explicar (com imenso repúdio) a estatística de que uma mulher morre a cada uma hora e meia no Brasil, vítima da violência doméstica. As mulheres morrem não porque se submetem a este poder, mas porque resistem. Morrem porque desejam ser sujeitos de direitos e não uma mercadoria de posse. Morrem ao manifestar a vontade de se separar, sair da relação que quer impedi-las de realizarem suas capacidades humanas, de serem sujeitos autônomos e livres. Morrem porque ousam dizer basta à violência física, sexual, moral, emocional, patrimonial, social. Morrem porque ousam querer viver a vida com equidade e justiça social.
CFESS – Quais estratégias necessitam ser amplamente divulgadas e apropriadas pelas mulheres, pela sociedade, para o enfrentamento da violência contra mulher?
Maria Elisa Braga – Precisamos conhecer e lutar pela materialização das conquistas já produzidas em relação às politicas para as mulheres no Brasil. Precisamos continuar a nos articular com o movimento feminista e com todos os sujeitos políticos que lutam pela ampliação e consolidação dos direitos humanos das mulheres. Precisamos desconstruir preconceitos (ainda tão naturalizados nas famílias, nas escolas, nas mídias, nas igrejas, no trabalho, no Estado, na cultura, na ciência, na história, nas relações sociais) e as assimetrias de gênero, que geram as desigualdades e violências contra as mulheres. E necessitamos que equipamentos públicos – resultado de amplas lutas do movimento feminista – como as creches, as delegacias da mulher, os centros de referência e as casas abrigos, dentre outros, sejam ampliados e que sejam garantidas condições éticas e técnicas de trabalho para profissionais que atuam nesta realidade.
CFESS – O que você destaca no trabalho como assistente social no enfrentamento à violência na Casa Eliane de Grammont?
Maria Elisa Braga – Nestes 21 anos de trabalho como assistente social na Casa Eliane de Grammont, aprendi muito com as feministas idealizadoras deste serviço e com o compromisso e competência da equipe profissional desde a sua origem (na qual o serviço social possui reconhecimento e respeitabilidade por seu envolvimento e contribuição). E, principalmente, aprendi muito no processo de atendimento às mulheres que sofrem violência, suas idas e vindas na rota crítica da violência, materializadas na imensa dificuldade de romperem com as estruturas do sistema patriarcal (como o pavor que sentem do agressor que as imobilizam); na dificuldade de romperem com a heteronomia construída nas relações sociais machistas desde seu nascimento e (re)construírem autonomia; na falta de apoio e respeito à sua intenção de romper com a violência por parte do próprio Estado, quando se omite frente à falta de politicas, de serviços, da família, de amigos e amigas, da sociedade; na falta de informação e de como acessar direitos; na falta de como acessar a justiça pelas violências sofridas. Posso também assegurar que sinto muita realização profissional, ao poder constatar, nas mulheres que aderem ao acompanhamento interdisciplinar, a superação das violências sofridas, reinventando sua condição e problematizando as desigualdades de gênero, constituindo-se como um sujeito autônomo e autodeterminado, que não admite mais a violência na vida particular e coletiva. Afinal, o que as mulheres desejam e lutam é, como tão bem nos fala Rosa de Luxemburgo, “por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”.
Para saber mais sobre o combate à violência acesse:
Conheça a Casa Eliane de Grammont:
Endereço: Rua Dr. Bacelar, nº 20 – Vila Clementino – São Paulo (SP)
Telefones: (11) 55499339 / 55490335 e email: caseliane@yahoo.com.br
*Fonte: CFESS