CRESS Entrevista Lucas Tavares sobre os 30 anos da Lei de Regulamentação Profissional

Para celebrar os 30 anos da Lei de Regulamentação Profissional, retomamos a série CRESS Entrevista sobre o tema, com a participação do assistente social e professor Lucas Tavares.

Lucas é mestrando em Serviço Social, especialista em Saúde com ênfase em Terapia Intensiva Adulto pelo Programa de Residência Multiprofissional em Saúde e professor na UFRN, onde integra o Grupo de Estudos e Pesquisas Questão Social, Política Social e Serviço Social.

“É a partir das diretrizes profissionais, debates e pela compreensão das particularidades da formação sócio-histórica do Brasil que temos conseguido avançar nas pautas democráticas e nas lutas sociais refletidas no nosso cotidiano de trabalho”, afirma o assistente social.

Confira a entrevista na íntegra:

CR: O que a Lei de Regulamentação Profissional de 1993, uma atualização da primeira, de 1957, representa para o Serviço Social brasileiro?

LT: A Lei 8662/1993 representa um marco legal para o exercício profissional de assistentes sociais no Brasil. Ela é um componente fundamental do que denominamos de Projeto ético-político do Serviço Social.

A Lei de Regulamentação de 1993 é colocada num período de forte avanço do neoliberalismo e é contemporânea do momento de maturidade da profissão, nas palavras do professor José Paulo Netto. Digo isso porque, mais do que uma diretriz em formato de legislação, a Lei de Regulamentação é fruto de um acúmulo teórico, político e organizativo da nossa categoria profissional, um acúmulo que demarca a direção profissional rumo à emancipação e à recusa do conservadorismo e tradicionalismo arraigado.

No cotidiano profissional, a Lei de Regulamentação representa a segurança do exercício, a posição do Serviço Social frente às entidades empregadoras e respostas profissionais dadas às demandas que emergem das condições de vida e de trabalho da ampla maioria da população brasileira. Por isso, reafirmo que a Lei 8662/1993 é o principal marco jurídico normativo que orienta a realização do exercício profissional, assegura as/os profissionais em seu exercício e defende a qualidade dos serviços, da formação e do trabalho profissional.

É, por exemplo, a partir da Lei de Regulamentação, vista do plano material, dadas as condições para sua manutenção, que a profissão e as entidades representativas conseguem elaborar orientações técnicas, resoluções, campanhas e traçar estratégias fundamentais como a Política Nacional de Fiscalização (2007), os parâmetros, cartilhas etc.

CR: Como as normativas da profissão refletem o compromisso do Serviço Social com um modelo de sociedade que defende a democracia e os direitos da classe trabalhadora?

LT: Conforme exposto anteriormente, é necessária uma visão da conjuntura política, econômica e cultural para lograrmos uma análise que não reduza as normativas profissionais às suas alíneas, artigos, parágrafos e incisos. O que quero dizer é que a materialização dessas normativas, bem como qualquer atualização, deve se deter às particularidades da conjuntura e diversidades das realidades sócio institucionais nas quais a nossa profissão está inserida.

A Lei de Regulamentação reflete um acúmulo e também a organização da nossa categoria profissional enquanto sujeito coletivo. A partir disso, se colocam as diretrizes para uma intervenção profissional vinculada aos interesses da classe trabalhadora e à emancipação humana.

Atrelada ao Código de Ética de 1993, a Lei de Regulamentação externa um posicionamento coletivo de defesa da classe trabalhadora e a identidade coletiva da categoria profissional enquanto componente dessa classe. Portanto, sofremos com os rebatimentos da crise estrutural e do neoliberalismo que assolam as/os trabalhadoras/es de todo o mundo, em que pese as particularidades do desenvolvimento econômico e da formação social brasileira.

É a partir das diretrizes profissionais, debates e pela compreensão das particularidades da formação sócio-histórica do Brasil que, acredito eu, temos conseguido avançar nas pautas democráticas e nas lutas sociais refletidas no nosso cotidiano de trabalho. É sob esse chão que temos cohesionado posicionamentos coletivos contra a violência de gênero, contra a retirada de direitos sociais da classe trabalhadora, em prol da luta antirracista, da luta anticapacitista, em prol da diversidade humana e nas lutas anticapitalistas.

CR: Em que ainda precisamos avançar, enquanto profissão inserida nas lutas sociais, na sua opinião?

LT: Enquanto coletivo profissional, nos vinculamos e hasteamos diversas bandeiras de luta no decorrer da história. Entretanto, é comum que consigamos avançar mais em algumas pautas do que em outras, dadas as condições históricas e sociais para inserção das lutas sociais no âmbito da luta política mais ampla. Estamos vivenciando isso com o retorno das discussões do piso salarial, por exemplo, dada a abertura deste caminho por outras profissões e dada a maior possibilidade de abertura de diálogo dentro de um governo democrático-popular.

As lutas travadas pelo Serviço Social não são poucas, vide o material “Sou assistente social e aqui estão minhas bandeiras de luta!”, e a ampla maioria delas dizem respeito à manutenção da vida da classe trabalhadora no âmbito da saúde, do trabalho, da educação etc. Isso demonstra o tônus e o direcionamento que a profissão tem tomado desde o movimento de intenção de ruptura que se espraia a partir do III CBAS, o Congresso da Virada de 1979.

Apesar dos avanços, compactuo da perspectiva que “arrumar a casa” também é importante. Digo isto porque, apesar do direcionamento hegemônico assumido pela profissão, ainda convivemos com um conservadorismo que, estando presente na sociedade, insiste em existir no âmbito do Serviço Social brasileiro.

Portanto, devemos avançar na consolidação do projeto ético-político, na construção e legitimação das entidades representativas da categoria e nas elaborações teóricas de sistematização da realidade profissional na qual estamos inseridos/as. Fortalecer a reflexão sobre a nossa prática profissional nos auxilia na criatividade, na proposição de estratégias profissionais que possam ir na contramão dos valores do individualismo, da culpabilização dos sujeitos e da moralização da “questão social”.

CR: Como a formação profissional pode contribuir para uma visão crítica e o fortalecimento do Serviço Social?

LT: Antes de mais nada, acredito que não devemos colocar sob as costas da formação toda a responsabilidade de constituição de um/a profissional com perfil ético e técnico que faça coro com o projeto ético-político do Serviço Social. Mas apesar de não ser o único determinante da constituição profissional, uma formação de qualidade tende a fortalecer a vertente crítica e as estratégias de intervenção pautadas pelo Código de Ética de 1993 etc.

Foi pensando no papel da formação para o Serviço Social que a categoria formulou as diretrizes curriculares da ABEPSS de 1996, posterior ao currículo mínimo da então ABESS em 1982; a Política Nacional de Estágio; enfim, uma gama de produções que orientam e prezam pela qualidade da formação que deságua na qualidade do exercício profissional.

Sem automatizar as coisas, podemos pensar na formação em dois sentidos que se complementam: um primeiro que diz respeito à formação acadêmica, em nível de graduação e pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado), esta que defendemos que seja realizada majoritariamente no âmbito da universidade pública, laica, presencial e de qualidade, em detrimento da expansão da mercantilização do ensino superior pelas vias da Educação à Distância. Um segundo sentido diz respeito à formação ao longo da vida profissional, no seio dos programas de capacitação; dos eventos realizados pelo Conjunto CFESS-CRESS; organização em movimentos sociais; supervisão de estágio; treinamentos e aperfeiçoamentos, que, não necessariamente, se detêm ao espaço da sala de aula ou universidade, às vezes sequer ofertam um diploma ou certificado, mas devem ser considerados espaços formativos e que auxiliam na atualização do conhecimento.

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