CRESS Entrevista Anna Luiza Liberato sobre o Dia Internacional de Luta Contra a Violência à Mulher

Neste mês de novembro, o CRESS Entrevista Anna Luiza Liberato sobre duas importantes datas relacionadas à luta das mulheres: O Dia Internacional de Luta Contra a Violência à Mulher e início dos 16 Dias de Ativismo Contra a Violência de Gênero, ambos celebrados no dia 25/11.

A campanha é anual e internacional e vai até 10/12, Dia Internacional dos Direitos Humanos. No Brasil, a mobilização abrange o período de 20/11 a 10/12. Foi iniciada por ativistas no Instituto de Liderança Global das Mulheres, em 1991, e é uma estratégia de mobilização, em todo o mundo, para o engajamento na prevenção e eliminação da violência contra as mulheres e meninas.

Anna Luiza é assistente social, mestra em Serviço Social e especialista em Educação em Direitos Humanos e em Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde. Atualmente é técnica de referência das Violências do Núcleo de Ciclos de Vida da Subsecretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS/SESAP-RN) e atua no Hospital Geral Dr. João Machado.

“O machismo, o patriarcado e suas expressões continuam afetando a existência e os direitos das mulheres”, afirma a profissional. Estão estruturalmente presentes na formação social brasileira, fortalecem o conservadorismo que atravessa as instituições e interferem na concepção de gênero e na elaboração e financiamento das políticas, quando observamos o que é destinado à proteção a mulheres em situação de violências”.

Confira a entrevista:

CR: Quais os principais desafios, hoje, para o Serviço Social, quando o assunto é rede de atendimento à mulher em situação de violência?

AL: Um dos principais desafios que estão postos, hoje, ao Serviço social, é trabalhar na execução dos serviços de atendimento a mulheres em situação de violências, dada a fragilidade e precarização destes.

Considerando a minha experiência nos serviços de saúde, penso que é importante destacar que as unidades (UPAS e Hospitais) de urgência e emergência precisam levar em conta o atendimento de forma mais breve possível a mulheres em situação de violência doméstica, tendo em vista que é uma situação complexa e que envolve riscos não só a ela, mas à equipe de profissionais que a acompanha.

Há possibilidade do homem que cometeu a violência estar nos arredores desses serviços e, portanto, esse atendimento deve ser considerado prioritário e urgente. No entanto, as/os profissionais da rede de proteção que acompanham as mulheres nos atendimentos em saúde relatam que ficam aguardando por horas e que, em geral, nesses espaços, não há a compreensão quanto a esta complexidade, ocasionando exposição das mulheres e das equipes.

Além disso, não dispomos de ambulância ou outro tipo de transporte nos serviços de saúde para garantir um deslocamento seguro dessas mulheres a suas casas (quando o agressor é afastado do local de moradia), à casa de alguém de sua confiança ou até mesmo a um serviço de acolhimento, ficando sob a “responsabilidade” do Serviço Social garantir quase que integralmente o atendimento a diversas demandas que ela apresenta. Este é um desafio que precisamos enfrentar, tendo em vista que as instituições públicas e privadas de atendimento é que devem garantir e não centralizar essas demandas no Serviço social.

Um outro desafio é a dificuldade ou até mesmo a ausência do registro de atendimento nos prontuários das equipes multi e a subnotificação compulsória das violências. No tocante ao registro, as/os profissionais de Saúde e outras políticas sentem receio de realizá-lo, com medo de retaliação da pessoa que cometeu agressão. Porém, sabemos que o registro é importante para que possamos fazer os encaminhamentos necessários para o atendimento em segmento ambulatorial e na rede intersetorial a essas mulheres. Além disso, o registro respalda a equipe quanto ao atendimento que foi realizado, devendo garantir o sigilo.

Quanto à notificação compulsória da violência, esta serve para que as informações/dados sejam utilizados pela Vigilância Epidemiológica a fim de qualificar a construção das políticas públicas quanto ao atendimento mais efetivo às mulheres em pauta. A subnotificação resulta num prejuízo quanto à leitura dessa realidade.

O processo de acolhimento e trabalho junto à família também se encontra comprometido, se constituindo como um grande desafio, pois só temos duas Casas de Acolhimento, uma em Natal e outra em Mossoró, para atender a todas as mulheres do RN. Não conseguimos, portanto, acolher e dar respostas às demandas de acompanhamento das mulheres e seus filhos e isso os torna vulneráveis a vários riscos.

De acordo com os dados que temos acesso por meio das entrevistas sociais, identificamos que as mulheres em situação de violência se encontram sem renda e majoritariamente sob dependência econômica dos seus companheiros. Dessa forma, assegurar apenas o atendimento de emergência nos serviços de saúde não garante que as mulheres conseguirão sair sozinhas do ciclo de violência. Precisamos de mais serviços, de uma rede melhor estruturada, que possa apoiar essas mulheres em todas as dimensões, inclusive com programas de acesso a trabalho e renda e apoio as suas famílias, sobretudo seus filhos.

Por fim, elenco a fragilidade da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) em atender às mulheres em situação de violência. Assistentes sociais que atuam em serviços de referência apontam que os atendimentos em saúde mental não são absorvidos pela RAPS, seja por falta de vaga nos equipamentos, seja por falta de profissionais médicos no âmbito da Psiquiatria para fazer os atendimentos e acompanhamentos das demandas de saúde mental. As Casas Abrigos não têm em seus quadros, conforme informações que recebemos das/os profissionais que atuam nesses serviços, psicólogas/os e psiquiatras, necessitando garantir esse atendimento na rede, o que nem sempre é possível, pelas razões mencionadas.

Todos esses se tornam desafios para o Serviço social, porque enquanto profissão que atende de forma direta esse segmento e compõe as equipes multi, ao identificarmos essas fragilidades, nos comprometemos na dimensão ético-política em contribuir para o atendimento integral, mas esbarramos em inúmeros obstáculos. Em nível macro, apontamos a desestruturação e sucateamento dos serviços da Rede de Proteção e ainda a problemática de assumir a função, em nossos espaços sócio-ocupacionais, de levantar essas questões para discussão com gestores dos serviços e demais categorias profissionais, a fim de “sensibilizá-los” a assumirem também esse compromisso com as mulheres em situação de violências, pois não cabe apenas ao Serviço social realizar os registros, acolhimento e acompanhamento. 

Anna Luiza Ribeiro

CR: Como a SESAP realiza este atendimento e como funciona a rede aqui no estado? Que outras áreas e profissionais também fazem parte desta política?

AL: A Secretaria do Estado da Saúde Pública do Rio Grande do Norte realiza recomendações e orientações aos serviços da rede assistencial para o acolhimento e o atendimento às pessoas em situação de violência no estado por meio da Coordenadoria de Atenção à Saúde (CAS); Subcoordenadoria de Atenção Primária à Saúde e Ações Programáticas (SAPS); Núcleo Ciclos de Vida (NuCV); Área Técnica de Saúde da Mulher e demais núcleos; Subcoordenadoria de Redes de Atenção, Coordenadoria de Regulação e Avaliação em Saúde, Coordenadoria de Vigilância em Saúde (CVS); Subcoordenadoria de Vigilância Epidemiológica (SUVIGE); Vigilância de Causas Externas (VIGCE) e Programa Estadual de IST/AIDS e Hepatites Virais; Diretoria de Políticas Intersetoriais e Promoção à Saúde do RN (DPIPS) e GT Intersetorial Cultura de Paz.

Cabe à SESAP orientar e apoiar a implantação e implementação dos serviços de referência para situações de violência, junto aos municípios do RN, contribuindo para a garantia da prevenção, assistência e seguimento adequados, favorecendo o processo de construção de linha de cuidado nos diversos níveis de atenção (básica, média e alta complexidade) em seus territórios.

É responsabilidade também, no tocante aos serviços da sua rede estadual, garantir a composição da equipe multiprofissional, além de estabelecer mecanismos de monitoramento e avaliação dos serviços de assistência à saúde.

Durante todo o segundo semestre deste ano, temos trabalhado na expansão do atendimento a mulheres em situação de violência, estruturando e apoiando os hospitais nas 1ª e 3ª Regiões de Saúde. Além disso, temos realizado as formações para o atendimento integral a pessoas em situação de violência, com as/os profissionais da rede que atuam nas unidades de saúde e também da rede intersetorial.

Além disso, destacamos o trabalho da SAPS, especificamente do trabalho desenvolvido pela área técnica de saúde da mulher, que atua no suporte aos serviços de todo o RN.

CR: De que maneira a conjuntura atual tem afetado a existência e os direitos das mulheres?

AL: O machismo, o patriarcado e suas expressões continuam afetando a existência e os direitos das mulheres. Estão estruturalmente presentes na formação social brasileira, fortalecem o conservadorismo que atravessa as instituições e interferem na concepção de gênero e na elaboração e financiamento das políticas, quando observamos o que é destinado à proteção a mulheres em situação de violências.

Durante o último mandato presidencial, de direita e ultraconservador, vivenciamos um contexto de aumento dos índices de violências contra as mulheres; um irrisório investimento na qualificação dos serviços de proteção e despreparo técnico no âmbito ministerial, do Governo Federal, que comprometeu a vida e os direitos humanos das mulheres.

Podemos afirmar que atualmente há um esforço para fortalecer e implementar, em nível nacional, a política de proteção à mulher em situação de violência. Nesse contexto, podemos citar a importância da mulher ser atendida em qualquer estabelecimento, órgão ou serviço público ou privado, sem a obrigatoriedade de apresentar um Boletim de Ocorrência (B.O). Nos casos que envolvem feminicídio, foi sancionada recentemente uma lei que garante aos filhos e dependentes o acesso a uma pensão especial. É nessa contramaré que vamos fazendo o enfrentamento à conjuntura, na perspectiva de ampliar os direitos que outrora estavam sendo ameaçados pelo conservadorismo direitista.

CR: Como uma mulher pode proceder em casos de violência doméstica? O que lhe é garantido?

AL: Em casos de violência doméstica, as mulheres podem acessar os serviços de Porta Aberta ou podem realizar a denúncia contra a pessoa que cometeu a agressão, através do Disque 180 (Central de Atendimento à Mulher). Quando a agressão está ocorrendo, qualquer pessoa pode ligar para o 190 e acionar a Polícia Militar.

Quando as mulheres não conseguem buscar o atendimento, qualquer pessoa pode acionar a Rede para obter informações e repassá-las à mulher, na perspectiva de fortalecer o direito à vida e à sobrevivência dela. Para orientações, deve-se ligar para o 0800 281 8000 (Acolhe Mulher). Quando envolver risco de morte, ligar para o 190 ou para uma DEAM. Quando se tratar de violência sexual, nós temos no Estado alguns serviços de referência: a Maternidade Januário Cicco e o Hospital Santa Catarina, que atendem mulheres e adolescentes. Em Mossoró, a Maternidade Almeida Castro e o Hospital da Mulher. Em casos que envolvem violência física, pode-se levar a mulher para uma UPA ou, em situações graves, ao Walfredo Gurgel.

Enquanto serviço de Porta Aberta, no âmbito da política de Assistência Social, temos o Centro de Referência da Mulher Elizabeth Nasser, os CRAS e os CREAS. No âmbito do Ministério Público, existe o programa NAMVIDE. Nesses equipamentos, as mulheres são acolhidas e recebem orientações e encaminhamentos para atendimentos de acordo com as suas necessidades.

Por fim, não poderíamos deixar de citar as Casas Abrigo, serviços que não podemos divulgar endereço para garantir a segurança das mulheres acolhidas ou em situação de acolhimento e são acessados após verificada a situação de risco iminente de morte das mulheres em situação de violência. Elas  acolhem as mulheres e seus filhos até que possam retornar à comunidade de origem de forma segura.

Outras Notícias

Dúvidas frequentes

Principais perguntas e respostas sobre os nossos serviços