Em alusão ao próximo 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas, o CRESS Entrevista Dayane Souza sobre o Serviço Social e a Questão Indígena. Assistente social de 27 anos, ela é índia tapuia paiacu e especialista em Serviço Social no Sociojuridíco. Faz parte da gestão eleita para o CRESS-RN no triênio 2020-2023.
Dayane atua na política de Assistência Social e também com assessoria e consultoria em projetos sociais e culturais, sendo apoiadora da causa indígena no Rio Grande do Norte. Afirmou-se indígena em 2014, depois de conhecer a história de luta dos povos da região onde nasceu seu pai, em Apodi (RN), e o modo pelo qual seus avós sobreviviam.
“Sempre carreguei em mim os traços indígenas no rosto e olhos puxados, isso me rendeu o apelido de ‘Japa’ no ensino médio”, lembra Dayane. “Mas minha origem nada tinha a ver com os japoneses e sim com os povos originários do Nordeste”, conta.
Além do pai, a mãe de Dayane nasceu no sítio Timbaúba, localizado numa região da Paraíba que deu origem à parte dos indígenas do Rio Grande do Norte, segundo pesquisa da antropóloga Jussara Galhardo. Hoje, os descendentes pedem o reconhecimento.
Confira a entrevista na íntegra
CR: Como o movimento indígena está organizado, hoje, no Rio Grande do Norte?
DS: O Rio Grande do Norte possui 13 comunidades indígenas, que são: Apodi (etnia Tapuia paiacú); Caboclos de Açu (etnia Potiguara); Assentamento Marajó (etnia Potiguara); Amarelão (etnia Potiguara); Serrote de São Bento (etnia Potiguara); Açucena (etnia Potiguara); Assentamento Santa Terezinha (etnia Potiguara); Cachoeira/Nova Descoberta (etnia Potiguara); Tapará (etnia Tapuia); Catu (etnia Potiguara); Sagi Trabanda (etnia Potiguara); Jacú (etnia Potiguara); Ladeira Grande (etnia Tapuia) e Lagoa do Mato (Etnia Tapuia).
Seus moradores afirmam suas identidades, história e memória indígenas e reivindicam com legitimidade a demarcação de suas terras tradicionais, garantia da educação escolar indígena e saúde, além da efetivação dos direitos originários já conquistados. O movimento é representado por suas lideranças e está organizado via Articulação dos Povos Indígenas do Rio Grande do Norte (APIRN), que atualmente é representado por Luiz Katu, da comunidade do Catu.
CR: Quais os desafios para a atuação de assistentes sociais na realidade do povo indígena?
DS: Nós, assistentes sociais, somos profissionais generalistas que atuamos em diversos espaços sócio-ocupacionais, carregamos um arcabouço teórico, metodológico e técnico-operativo capaz de compreender e intervir na realidade. Afirmamos o compromisso com o nosso projeto ético-político, com a defesa intransigente dos direitos humanos e o combate às discriminações étnico-raciais e de gênero.
É no cenário de condição de invisibilidade e subalternidade que a/o assistente social responde às demandas impostas e busca viabilizar os direitos assegurados na Constituição de 1988 e nas legislações especificas dos indígenas, além de fortalecer a luta do movimento indígena em busca da consolidação de políticas públicas e estratégias de proteção.
Na pesquisa bibliográfica, ainda existem poucos relatos do exercício profissional da/o assistente social na realidade dos povos indígenas. Podemos citar como experiência a nossa inserção na Saúde indígena, no campo da Política de Assistência Social e na Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Um dos maiores desafios das/os assistentes sociais é realizar o trabalho intersetorial no atendimento a essa população no acesso à saúde, educação, renda e trabalho, respeitando seus costumes e tradições, em um contexto de retrocessos, conservadorismo e discursos racistas.
CR: Em tempos de pandemia, como está o atendimento à população indígena? Existe acesso às políticas públicas?
As comunidades em que se afirmam indígenas no Rio Grande do Norte possuem sua subsistência pautada na agricultura familiar, criação de animais, artesanato e pesca, além do etnoturismo. Devido à pandemia, estas atividades estão prejudicadas e os direitos já conquistados são ainda mais negligenciados.
As famílias indígenas estão com dificuldades para garantir uma renda, então o movimento se articulou através da APIRN e solicitou à SETHAS-RN apoio para enfrentar a pandemia. A resposta foi que seriam repassados aos Municípios recursos para garantir a compra de benefícios eventuais para estas comunidades e demais cidadãos. Mas até o momento não houve auxílio do Estado ou dos gestores municipais a este segmento via Assistência Social.
O presidente da APIRN, Luiz Katu, relatou que o movimento indígena tem uma ação coletiva para arrecadação de recursos financeiros e compra de cestas básicas e produtos de higiene. Disse, ainda, que não estão sendo atendidos pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) nem pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI POTIGUARA) desde o mês de janeiro, o que tem prejudicado muito, principalmente nessa época de COVID-19.
Ele também relatou que o atendimento às comunidades está acontecendo pontualmente a idosos por meio do Programa de Saúde da Família de cada município, o que é uma dificuldade para os indígenas dos grupos de prioridade que precisam de vacinas e atendimentos de demandas específicas.
A FUNAI está tentando viabilizar a garantia alimentar através de cestas básicas e aguarda a liberação da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). Enquanto isso, os indígenas do Rio Grande do norte continuam a sofrer com a invisibilidade dos governos e com a precariedade das políticas públicas operadas por seus gestores. Os indígenas foram atingidos pela pandemia quando as políticas sociais no Brasil foram destruídas no pouco que garantiam. Eles contam com a solidariedade de apoiadores do movimento.
CR: Por que, na sua opinião, ainda existe tanto racismo com relação ao povo indígena no Brasil?
DS: O racismo contra os povos indígenas pode ser visto de vários ângulos. Desde a colonização do Brasil, o índio vem sendo posto para a sociedade como preguiçoso, feio, fedorento e selvagem. Estes termos são utilizados contra os povos originários há muito tempo com o objetivo de invisibilizá-los. Desta forma, o capitalismo vem ganhado forças para se apropriar dos territórios indígenas em busca de riquezas naturais com interesses econômicos, motivando grandes disputas que colocam em risco a vida dos indígenas.
Mais de 500 anos depois, muito foi perdido pelos povos indígenas brasileiros, não apenas suas terras, mas a liberdade para viverem seus costumes, tradições e crenças. No processo de colonização, pediram que os indígenas vestissem roupas, hoje pedem que tirem para provar que são indígenas. Proibiram-nos de falar nossas línguas nativas, hoje pedem que falemos para que sejamos reconhecidos.
O senso comum criou um esteriótipo de que, para ser índio, deve-se andar pintado, usar cocar, arco e flecha, viver no mato ou ser selvagem. Esta imagem preconcebida do índio congelado no passado impossibilita um entendimento sobre a questão indígena e gera ainda mais invisibilidade e racismo camuflado no preconceito. O racismo não é visto apenas quando o índio é tratado como mendigo, incapaz, sem terra. Sempre questionam sua identidade. Isso ocorreu quando o índio Galdino Jesus dos Santos foi queimado vivo em 1997, enquanto dormia em um ponto de ônibus. Também na violência cometida contra Vitor Pinto, 2 anos, que foi atacado e teve a garganta cortada enquanto mamava no colo da mãe, em 2015, em Santa Catarina. São apenas dois dentre incontáveis crimes cometidos contra os indígenas.
É nessa trajetória histórica que o racismo se perpetua até os dias atuais, seja pela sociedade em geral ou gestores públicos que preferem se omitir das responsabilidades, não reconhecendo os indígenas como sujeitos de direitos e suas especificidades étnicas e territoriais. Duvidam de nossa identidade e pertencimento quando usamos celular, computador, frequentamos a universidade ou quando vivemos em um contexto urbano, mesmo quando nos afirmamos indígenas. Reconhecer a existência do racismo contra o povo indígena é essencial para combatê-lo, desconstruir o senso comum e quebrar o paradigma de que está associado somente à população negra.
Quer ajudar o povo indígena do Rio Grande do Norte nesta pandemia?
Entre em contato com as lideranças Luiz Katu (APIRN) – (84) 99122-6024 – ou Tayse Campos – (84) 99220-8750.
Ou acesse aqui.