CRESS Entrevista Fábio dos Santos sobre Teletrabalho e Serviço Social

O CRESS Entrevista Fábio dos Santos neste mês de setembro, trazendo um debate importante e necessário para a categoria: o teletrabalho.

Assistente social na UFS e no Hospital de Urgência de Sergipe, Fábio está pesquisando a temática no seu Doutorado em Serviço Social na UFRJ, onde também é, atualmente, membro do Núcleo de Estudos sobre os Fundamentos do Serviço Social na Contemporaneidade.

A pesquisa trata das implicações do teletrabalho nas condições de trabalho e no exercício profissional de assistentes sociais no Brasil.

Confira a entrevista na íntegra:

CR: O que você está pesquisando dentro da temática do teletrabalho e qual a relevância desse tema no contexto atual para o Serviço Social?

FS: A pandemia foi determinante para que o teletrabalho estivesse no centro do debate nos últimos dois anos não só para o conjunto da classe trabalhadora e assalariada, mas também para nós pesquisadores/as. 

Trata-se de uma forma de trabalho essencialmente flexível, que surge num período histórico determinado e se materializa pela mediação das tecnologias da informação e comunicação.
Caracteriza-se pela realização do trabalho em espaço intangível e jornada de trabalho indeterminada. Portanto, é uma modalidade que traz sérias alterações na dinâmica da realidade de diversas profissões. 

Minha pesquisa de tese no doutorado trata das implicações do teletrabalho nas condições de trabalho e no exercício profissional de assistentes sociais no Brasil. 

O tema é relevante, primeiramente, porque se trata de um estudo inédito na nossa área. Segundo, porque nosso objetivo é entender e explicar a processualidade histórica em que se dá a emergência do teletrabalho no Serviço Social, considerando a sua particularidade num país de capitalismo dependente e inserido no processo de reestruturação produtiva do capital. 

Terceiro, porque a forma assumida pelo teletrabalho no capitalismo tende a ameaçar a direção teórica e ético-política do projeto profissional de aliança com a classe trabalhadora a que pertencemos. 

CR: Quais os principais espaços sociocupacionais que têm se utilizado dessa modalidade?

FS: Durante a pandemia, a maior parte dos espaços sociocupacionais aderiu ao trabalho remoto como medida de saúde pública e de redução da letalidade da Covid-19. No Brasil, a exceção foi apenas para os/as profissionais que atuam nos equipamentos de Saúde e de Assistência Social, considerados como serviços essenciais no longo período de pico da contaminação. 

No caso destes setores, novos instrumentos sob novas funcionalidades foram inseridos no cotidiano do trabalho, como uso dos tablets para comunicação de pacientes internados com os seus familiares, por exemplo. 

É importante destacar que o uso de ferramentas tecnológicas no exercício profissional por si só não caracteriza a atividade como teletrabalho. Para ser considerado teletrabalho, o todo ou parte do trabalho tem que acontecer fora das dependências da instituição empregadora. 

Já o trabalho remoto praticado no período excepcional caracteriza-se como uma das formas de teletrabalho. Esta modalidade vem perdurando em algumas áreas mesmo depois do retorno às atividades presenciais. Diversas instituições vêm criando ou modificando seus regulamentos internos para instituir o teletrabalho permanentemente: é o que vem ocorrendo no campo Sociojurídico, da Previdência Social, da Educação federal e em algumas empresas privadas. 

Sem sombra de dúvidas, o teletrabalho avançou de modo acelerado no campo da formação profissional, por meio da expansão do ensino de graduação na modalidade à distância. 

Os estudos que venho fazendo indicam que, pelo caráter da atividade, desde 2006 o teletrabalho vem sendo praticado pelos/as assistentes sociais que exercem a função de tutor/a no ensino à distância. Essa é uma das hipóteses que pretendo confirmar com a minha pesquisa de tese.

CR: Que impactos você já conseguiu identificar do teletrabalho nas condições de trabalho de assistentes sociais e sua autonomia profissional?

FS: Venho pesquisando o teletrabalho desde o início da pandemia, principalmente para dialogar com a nossa categoria e com a base de trabalhadores/as das universidades federais, que é o segmento que pertenço e milito sindicalmente. Pretendo investigar no doutorado quais são implicações na atividade dos/as assistentes sociais através de pesquisa empírica a partir de outubro desse ano. 

Nos estudos preliminares, o que vem sendo apontado pelos/as profissionais como primeiras sequelas do teletrabalho é: o aumento da sobrecarga; o afastamento e a invisibilidade na relação com o/a usuário/a; a pressão pelo aumento da produtividade; o descontrole em relação ao limite da jornada de trabalho; o recebimento de demandas de trabalho fora do horário de expediente; o aumento do conflito familiar provocado pela simbiose do espaço doméstico e do  trabalho, assim como do tempo de trabalho e o tempo da vida privada, entre outros. 

No teletrabalho, é vendido o discurso de suposta autonomia para regular o próprio horário e o local de realização do trabalho. É uma ilusão. A subordinação continua a mesma ou até se intensifica, por exemplo, quando o/a profissional realiza seu trabalho por meio de sistemas informacionais que são elaborados e centralizados na equipe de tecnologia da informação da instituição. Além da sua chefia imediata, o trabalho passa a ser subordinado também a esses programadores. 

Em relação ao local, não quer dizer que o domicílio ou qualquer outro ambiente escolhido pelo/a profissional reúna melhores condições do que a própria instituição empregadora. É importante entender que a possibilidade do teletrabalho é, antes de tudo, uma decisão da instituição e não do/a profissional. 

O teletrabalho é praticado no Brasil desde a segunda metade da década de 1980, mas só foi regulamentado efetivamente a partir da contrarreforma trabalhista de 2017, sob condições em que a negociação entre trabalhador/a e empregado/a está acima da legislação e que, considerando o alto nível de desemprego no país, são condições que tendem a ser determinadas pelo/a empregador/a. 

CR: Alguns espaços, como o INSS, têm implantado modalidades de atendimento remoto para quem está em teletrabalho. No Brasil, aproximadamente 25% da população não tem acesso à Internet, sendo este, possivelmente, o principal público atendido pelo Serviço Social. Embora o CFESS já tenha se posicionado contrário, alguns/mas profissionais têm aderido voluntariamente à modalidade. Como você avalia isso?

FS: O debate do teletrabalho é muito complexo. É uma modalidade de trabalho que oferece condições distintas e aparentemente atrativas para qualquer trabalhador/a que esteja acostumado/a a passar muitas horas do dia fora de casa, quando na verdade sua vontade era passar mais tempo com a família, não perder tanto tempo no trânsito indo para o trabalho ou levar os/as filhos/as para a escola. 

É, por esta razão, uma modalidade que tem forte impacto sobre o gênero feminino, dada a sobrecarga histórica que as mulheres possuem com as tarefas domésticas e do cuidado das famílias num país machista como o nosso. 

As protoformas do teletrabalho surgiram no Reino Unido no final de 1960, com a intenção de devolver as mulheres para o ambiente doméstico. Em princípio, o teletrabalho parece ser a solução de problemas decorrentes da vida moderna. 

Inclusive, a possibilidade de trabalho parcial ou totalmente em casa é utilizado com o discurso ideológico de “vantagem” e de que esta suposta “vantagem” justificaria a perda de direitos, como a substituição do controle da jornada de trabalho pela produtividade, a perda de adicionais como auxílio transporte, alimentação, insalubridade, periculosidade, o trabalho realizado em casa sem ajuda de custo ou auxílio financeiro da instituição, entre outros. 

Ratifico que não se trata de “vantagem” ou “desvantagem”. São condições de trabalho rebaixadas que supõem uma relação de compensação justa pela oportunidade de trabalhar num espaço escolhido pelo/a trabalhador/a. 

É compreensível que parte da nossa categoria venha a aderir à modalidade se tiver oportunidade. Penso que o conjunto CFESS/CRESS vem fazendo uma incidência importante desde 2020 para orientar a base profissional acerca dos dilemas do teletrabalho, embora não haja normativa ou regulamentação a respeito, como nas áreas de Psicologia e Medicina, que também são profissões liberais, por exemplo. 

Acredito que a ampliação e aprofundamento do debate precisa se dar não só no âmbito do Serviço Social, mas do conjunto das entidades representativas da classe trabalhadora, sobretudo pela expansão da modalidade a partir de 2017. 

Atualmente, das nove centrais sindicais no país, a CUT foi a única que se dispôs, no primeiro semestre de 2021, a fazer um estudo do tema e encaminhar orientações às suas bases quanto às negociações e regulação das condições do trabalho na modalidade. Novas condições de trabalho exigem novos direitos. 

Precisamos avançar na luta por direito ao fornecimento ou auxílio pecuniário para aquisição de equipamentos ergonômicos e de informática, manter as despesas de internet, energia elétrica, além do direito à desconexão, como já ocorre na Argentina e na França. 

Quanto à relação com o público usuário dos serviços prestados pelos/as assistentes sociais, é notório o aumento do fenômeno da “exclusão sociodigital”, em que parte da população está excluída do acesso a programas sociais antes mesmo de se candidatar, pois não tem acesso a equipamentos com tecnologia smartphone nem conhecimento ou habilidades para manipulá-los. Esse é um outro debate que precisa ser aprofundado e que necessitaria de outra entrevista para ser explorado.

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