CRESS Entrevista Ilidiana Diniz sobre Mulheres e Feminismo

O nosso #CressEntrevista está de volta. Encerrando o mês de março, entrevistamos a assistente social Ilidiana Diniz sobre mulheres e feminismo. Pesquisadora da temática, ela é doutora em Serviço Social e tem pós-doutorado pelo Grupo de Estudos sobre as Relações Sociais de Gênero e Feminismo, ambos na UERN. Atualmente é professora do curso de Serviço Social da UFRN.

“O Serviço Social, como uma profissão majoritariamente feminina e que tem como principais usuárias das políticas sociais as mulheres, já se configura como um desafio que acompanha toda a dinâmica da profissão e do seu fazer profissional”, afirma Ilidiana. “Tais condições precisam ser problematizadas, principalmente neste contexto de adensamento das crises cíclicas do capital e aumento da pobreza pela precarização do trabalho com consequências diferentes para homens e mulheres”.

Confira a entrevista completa

CR: Em todos os anos, março é o mês das mulheres. Mas em 2019, o que mais tem marcado estas lutas? Como você enxerga a atual conjuntura?

ID: O atual contexto tem sido marcado por muitas lutas, organização e sobretudo enfrentamento na garantia de direitos duramente conquistados por nós mulheres e que são essenciais na busca por uma sociedade igualitária sob a ótica das relações patriarcais de gênero. Tenho percebido, não somente neste, mas nos últimos anos, que o 8 de março tem sido marcado por um reforço na conscientização e na defesa desses direitos, assim como nos enfrentamentos em torno das violências contra as mulheres nos espaços públicos e privados. Também pela resistência às contrarreformas que têm impactos diretos para toda a classe trabalhadora, sobretudo na vida laboral das mulheres.

Essa perspectiva de conscientização assume maior radicalidade à medida em que há uma pauta ultraconservadora, reacionária e neoliberal em curso no nosso país, cuja manifestação da ofensiva do capital implica diretamente nas condições de vida da maioria da população, em especial das mulheres. Forjada e fomentada por uma elite detentora do poder econômico, jurídico, midiático, religioso e político, que tenta a todo custo barrar qualquer avanço e/ou mudança que venha a se configurar como obstáculos ao seu projeto de dominação. No caso específico de nós mulheres, isso se expressa na tentativa de impor limites às nossas vidas, aprofundar o controle sobre nossos corpos e nossa liberdade, ou seja, nos colocar longe de tudo que nos garanta autonomia, poder e protagonismo.

A especificidade deste último 8 de março que merece ser destacada é a luta por justiça para o desvendamento e punição do assassinato covarde e violento da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes. O legado de ativismo deixado por Marielle aparece como um símbolo nas lutas pelos direitos humanos dos segmentos mais vitimizados pelas violências, opressões, dominação, racismo, misoginia, machismo, discriminação e preconceito, causando nos/as que ficaram por aqui, e tem compromisso com essas lutas, a responsabilidade de deixar que sua luz não se apague, que a semente germine e se reproduza em coragem e inspiração.

CR: Quais os principais desafios para as mulheres assistentes sociais?

ID: O Serviço Social, como uma profissão majoritariamente feminina e que tem como principais usuárias das políticas sociais as mulheres, já se configura como um desafio que acompanha toda a dinâmica da profissão e do seu fazer profissional. Tais condições precisam ser problematizadas, principalmente se tomarmos como referência o contexto contemporâneo marcado pelo adensamento das crises cíclicas do capital, desemprego, subemprego e aumento da pobreza advindas da precarização do trabalho com consequências diferentes para homens e mulheres.

Nesse sentido, tal contexto exige de nós pensar na multiplicidade de expressões da questão social que são imbricadas a partir das relações patriarcais de gênero, de classe e raça e como isso impacta sobre muitos aspectos do cotidiano das mulheres, no trabalho feminino, nas políticas sociais e em particular na própria profissão. 

Ademais, essas reflexões também partem da própria composição da profissão, visto se tratar de uma profissão predominantemente feminina. E isto não pode ser observado como um mero detalhe, pelo contrário, é um dos responsáveis pelo baixo status social e nível salarial, fundamentado na divisão sexual do trabalho que naturaliza as desigualdades e estrutura as hierarquias atribuindo ao que é desenvolvido pelos homens maior status e valorização.

CR: Como você analisa os casos de feminicídio que vemos hoje de forma crescente no país? 

ID: O feminicídio é o assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher. Motivados por sentimentos como ódio, desprezo ou mesmo pela possibilidade de perder o controle sobre sua “propriedade”, muito homens recorrem a essa forma perversa e atroz e ceifam a vida de suas companheiras ou ex. A mídia sistematicamente noticia casos de feminicídio que se situam no plano da barbárie. Mulheres aprisionadas, torturadas, violentadas sexualmente e, depois de mortas, até esquartejadas e abandonadas, compõem o cenário mais vil de uma sociedade estruturada sobre o manto patriarcal, racista, sexista, hierárquica e desigual do ponto de vista do gênero.

Segundo dados do Mapa da Violência 2015 (Cebela/Flasco), o Brasil está entre os países com maior índice de homicídios femininos com taxa de 4,8 assassinatos em cada 100 mil mulheres, ocupando a quinta posição em um ranking de 83 nações. Esta é uma realidade terrível e assustadora, que ultrapassa qualquer limite do tolerável e que precisa ser desnaturalizada. Também precisa ser enfrentada não somente pela via da justiça ou da polícia, mas fundamentalmente pela desconstrução de papeis sociais desiguais e o aprimoramento de políticas públicas para coibir e prevenir as violências contra as mulheres.

Acredito que com a Lei Maria da Penha e a própria Lei do Feminicídio, mais recentemente, as mulheres têm se fortalecido no enfrentamento à violência doméstica e familiar, perpetrada, na sua grande maioria, por companheiros e ex que em muitos casos não aceitam o fim do relacionamento e/ou querem manter as mulheres sob seu poder. 

Apesar dos dados da pesquisa Violência e Assassinato de Mulheres (Data popular, Instituto Patrícia Galvão, 2013) trazerem que 85% dos/as entrevistados/as acham que as mulheres que denunciam seus parceiros ou ex quando agredidas correm mais risco de serem assassinadas, o silêncio para 92% dos/as entrevistados/as também não se caracteriza como garantia de que casos de agressões sistemáticas não terminem em feminicídio. Penso que a denúncia ainda é o caminho mais seguro, em que verdadeiramente há uma possibilidade de sobreviver ao ódio e à dominação.

Superar esta triste realidade exige de todas nós um esforço hercúleo contra um sistema opressor que se retroalimenta a partir da violência estrutural, da cultura, da dificuldade em construir mais sororidade entre nós mulheres, das desigualdades no mundo do trabalho, da educação diferenciada de meninos e meninas, da objetificação dos nossos corpos, da mídia sensacionalista, do medo, dentre outros.   

CR: Que experiências te fizeram se dedicar a pesquisar as mulheres?

ID: Apesar de ter nascido com o privilégio do demarcador de pele branca, minha condição de mulher, nordestina e da classe trabalhadora (filha de agricultor e professora do ensino básico) me trouxe experiências, ainda no campo da empiria, que caracterizo como potencializadoras para minha trajetória de estudos e pesquisas no campo da teoria crítica do feminismo.

As marcas de dominação e opressão que, muitas vezes, caracterizam nossa existência, ou como bem definiu Simone de Beauvoir, a construção social de “tornar-se mulher”, sempre me inquietaram. Elas suscitam reflexões sobre a influência do determinismo biológico na construção de tais papeis sociais, em um primeiro momento mais individualmente e posteriormente para o conjunto das mulheres. 

Assim, a partir da tentativa de compreender como as diferenças entre homens e mulheres eram transformadas em desigualdades na sociabilidade do capital, é que me debrucei nas investigações. Tomei como fundamento o feminismo materialista socialista, partindo de algumas categorias, ao meu ver, fundamentais para o desvelamento dessa construção, como as relações patriarcais de gênero e divisão sexual do trabalho. De modo que os estereótipos e discriminações que lutamos para desconstruir passam pela investigação crítica fundamentada em experiências, mas também em construções científicas que desvelem e tragam ao plano do real as formas mais nefastas de desigualdades, opressões, dominações, silenciamentos e negações de direitos que ainda se perpetuam na vida de muitas mulheres. 

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