Neste mês de outubro, o CRESS Entrevista a assistente social e docente Janaiky Almeida sobre Serviço Social e descriminalização do aborto.
A edição faz alusão ao Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização do Aborto (28/09) e aborda este tema que tem pautado debates importantes na profissão.
Doutora em Política Social, Janaiky é professora do curso de Serviço Social da UFRN, representante do CFESS na Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher (CISMU/CNS) e pesquisa relações patriarcais de gênero; feminismo e feminismo negro.
“Defender a legalização do aborto não é incentivar o aborto”, ressalta Janaiky. “Defendemos o aumento de acesso de mulheres e homens a métodos contraceptivos, a assistência para uma gravidez saudável e que, se alguma mulher precisar fazer o aborto, tenha assistência para não morrer e não seja presa”.
Confira a entrevista na íntegra:
CR: Como você analisa, hoje, a legislação relacionada ao aborto na América Latina? Quais os avanços?
JA: Na última década, tivemos importantes avanços no que se refere à descriminalização e legalização do aborto na América Latina, como a garantia do direito à legalização na Argentina, em 2020. Tivemos também países que, apesar de não garantirem a legalização, descriminalizaram o procedimento, como o Chile e México em 2021 e a Colômbia em 2022. No Uruguai, o direito ao aborto é legalizado desde 2012.
CR: Vivemos uma conjuntura conservadora no Brasil, que afeta diretamente os direitos das mulheres. Como você analisa os últimos anos que vivemos e quais as perspectivas futuras no país?
JA: O Brasil é um dos países da América Latina onde as legislações sobre o aborto não avançaram, com exceção do direito ao aborto em caso de feto anencéfalo, que foi garantido pelo STF em 2012. Praticar o aborto no Brasil, nos casos não previstos em lei, é crime e isso afeta diretamente a vida e saúde das mulheres. O problema se agrava porque, além de não avançar na garantia deste direito, retrocedeu nos últimos anos, com a elaboração de Projetos de Lei que buscam proibir ou criminalizar o aborto, mesmo nos casos já garantidos. Também não tivemos a ampliação da rede de atendimento ao aborto nas situações em que são legalizados e observamos o aumento do conservadorismo no julgamento moral de meninas e mulheres que precisam, tem direito e optam por realizar o procedimento.
Em contraposição a este conservadorismo, o movimento feminista vem fortalecendo os diálogos sobre o tema em diferentes espaços. Diversos setores da sociedade, como sindicatos, outros movimentos sociais e espaços e profissões vinculadas à saúde vêm colocando em pauta este tema, como é o caso do Serviço Social.
Tenho perspectiva e esperança de que este tema seja dialogado de maneira mais ética e responsável no Brasil. Mas sei que os avanços são lentos e temos um longo caminho pela frente, uma vez que este debate deve ser construído em diferentes instâncias, como nos espaços de mobilização social, mas também nos parlamentos e cortes judiciais.
CR: Como o Serviço Social tem se posicionado com relação à legalização do aborto?
JA: Há uma década, em consonância com o movimento na América Latina e seguindo os princípios do nosso projeto ético-político profissional, o Serviço Social tem se posicionado em defesa da legalização do aborto. Esta defesa também segue a consigna de movimentos feministas ao defender “educação sexual para prevenir, contraceptivos para não engravidar e aborto seguro e legal para não morrer”.
Ao nos posicionarmos em favor da liberdade como valor ético central, consideramos que a decisão de ser mãe deve ser um ato consciente de liberdade e não apenas uma contingência biológica ou uma imposição política e social. Deve vir acompanhada de acesso às políticas públicas de saúde que garantam as condições objetivas para o exercício da maternidade, quando esta for desejada e para sua interrupção quando não for.
Não é por ser crime que é uma ação antiética, bem como não é por ser legal juridicamente que seja ético moralmente.
Impor uma gravidez às mulheres é um arbítrio e autoritarismo estatal, institucional e social sobre suas vidas. É negar sua autonomia como pessoas éticas capazes de decidirem conscientemente sobre suas escolhas. É negar às mulheres sua condição como sujeitos sociais históricos.
Defender a legalização do aborto não é incentivar o aborto. Defendemos o aumento de acesso de mulheres e homens a métodos contraceptivos, como também a assistência para uma gravidez saudável. Defendemos que se alguma mulher precisar fazer o aborto, que ela tenha assistência para não morrer ou que não seja presa em decorrência disso.
CR: Como você avalia a importância dos movimentos sociais feministas que têm lutado pela descriminalização do aborto no Brasil e na América Latina?
JA: Os movimentos feministas têm sido sujeitos coletivos centrais na luta pela descriminalização e legalização do aborto na América Latina. Todos os países onde o aborto foi descriminalizado ou legalizado, só o foi por meio de muita mobilização das mulheres. Na última década, duas consignas do movimento têm sido muito fortes e representam os anseios do movimento nesta luta: o “Vivas nós queremos” e “Nem presa, nem morta”.