CRESS Entrevista Kleylenda Linhares sobre o Dia de Luta da Pessoa com Deficiência

O Dia Nacional da Luta da Pessoa com Deficiência é lembrado neste sábado (21), como forma de fortalecer direitos e conscientizar a sociedade sobre respeito, inclusão e anticapacitismo.

Para celebrar a data, o CRESS Entrevista Kleylenda Linhares, assistente social, mãe atípica, mestra em Serviço Social, servidora da Saúde do Estado e do Município de Natal e militante em defesa do SUS.

“O capacitismo está presente em termos de violência institucional quando a família segrega, quando há filas enormes de crianças aguardando terapias nas instituições do nosso SUS, por falta de compromisso dos nossos gestores e quando o mercado de trabalho só contrata para cumprir legislações e não pagar multa aos governos”, diz.

Confira a entrevista:

CR: Como mãe atípica e assistente social, quais os principais desafios que você visualiza para a garantia de direitos às pessoas com deficiência?

KL: Inicialmente, gostaria de agradecer o convite do CRESS-RN para em um dia tão importante para nós, pessoas com deficiências e seus familiares, podermos abordar esse tema que ainda é muito pouco trabalhado em uma sociedade capacitista. Nosso Conselho nunca se furtou à luta contra os preconceitos e em defesa dos direitos das pessoas com deficiência, e nossas bandeiras de Luta mostram isso!

O primeiro desafio é algo geral, que não só as pessoas com deficiência enfrentam, mas a sociedade como um todo, que é o de construirmos uma nova cultura, livre de toda forma de preconceito e desvalores.

Nesse sentido, desconstruir a ideia do que uma pessoa com deficiência pode ou não fazer, em uma sociedade que vive do trabalho, é um desafio gigante, pois é necessário romper com o que está colocado historicamente, de que é necessário ter um corpo supostamente “perfeito” fisicamente e intelectivamente, em que apenas pessoas com esse “padrão” de perfeição estariam aptas a contribuir com a sociedade, nos aspectos necessários à produção e reprodução da vida.

É daí que decorre a ideia de que precisamos ser teoricamente capazes para algo, havendo uma inversão de valores, em que as coisas a serem feitas são mais importantes do que as pessoas que as fazem. É dessa lógica que surge o capacitismo. Então, só rompendo com a cultura atual é que podemos ter os direitos das pessoas com deficiência respeitados.

No tocante aos demais desafios, considero que, na maioria das vezes, estão relacionados ao fato das políticas sociais, seja no seu planejamento ou na sua execução, não conseguirem englobar as necessidades específicas das pessoas com deficiência.

Um exemplo são as filas imensas de crianças neuroatípicas que aguardam, pelo SUS, por terapias como possibilidade de um melhor desenvolvimento neuropsicomotor. Outro exemplo são as pessoas com deficiência adultas que também enfrentam uma grande fila para entrar no mercado de trabalho, onde a maioria das instituições não cumprem nem mesmo as legislações que já existem voltadas para a inclusão.

Um outro desafio é o fato de que ainda hoje algumas famílias, na perspectiva de garantir uma suposta proteção aos seus filhos e filhas, acabam por segrega-los, retirando-os completamente do espaço de convivência social. Isso era muito perceptível há alguns anos atrás.

Hoje existe uma espécie de consciência coletiva da importância das pessoas com deficiência estarem em todos os espaços da sociedade e de que, de fato, quem é deficiente é a sociedade e não as pessoas, mas ainda há grande resistência das famílias e da própria sociedade em compreender isso.

CR: De que maneira o capacitismo afeta a vida das crianças com deficiência?

KL: O capacitismo é todo tipo de preconceito e discriminação direcionado às pessoas com deficiência. Nesse sentido, é o maior desafio a ser superado na vida dessas pessoas. Não é uma pessoa, não é uma instituição, não é uma política social, mas age e está presente em todos esses elementos.

A família é capacitista quando se furta de conhecer melhor as necessidades específicas de seu filho ou filha e de procurar as melhores estratégias, terapias, convivências sociais que busquem ofertar uma melhor condição e qualidade de vida para crianças e adultos com deficiência.

A política social é capacitista quando não atende quantitativa e qualitativamente as demandas das pessoas com deficiência. Eu falo em necessidades específicas porque as deficiências são diversas. Ao mesmo tempo em que elas são específicas, são diferentes em suas especificidades. E uma “boa” política social inclusiva necessita ser planejada, elaborada e executada para responder a esses anseios, que são plurais.

Nesse sentido, eu friso que estamos em período eleitoral e é necessário que a gente escolha votar em candidatos que tenham um compromisso de vida com a luta das pessoas com deficiência, não só no ano eleitoral, mas que seus atos cotidianos não sejam capacitistas, que suas bandeiras de luta e o movimento histórico de suas vidas demonstre que são pessoas anticapacitistas, antirracistas, não homofóbicas etc. As lutas sociais, embora plurais, convergem na direção de uma sociedade que é plural e onde “a diferença é o que temos em comum”. A gente só vai superar o capacitismo com esse entendimento.

Então, o capacitismo está presente em termos de violência institucional quando a família segrega, quando há filas enormes de crianças aguardando terapias nas instituições do nosso SUS, por falta de compromisso dos nossos gestores e quando o mercado de trabalho só contrata para cumprir legislações e não pagar multa aos governos.

CR: No caso da Síndrome de Down, existem desafios específicos? Como você avalia?

KL: No caso da Síndrome de Down, que é uma mutação cromossômica na qual a pessoa pode possuir o fenótipo, que é a aparência física, de uma forma mais notória, vamos dizer assim, e em que a deficiência intelectual está presente, o estigma social é muito presente.

Vivemos, enquanto mães de pessoas com Trissomia do Cromossomo 21, o desafio mais geral das pessoas com deficiência, que é a luta diária contra o capacitismo social, ou seja, o preconceito das pessoas que nos perguntam, por exemplo, “se o grau dela é mais leve”, se “ela vai namorar”, se temos alguma perspectiva da vida adulta e da escolha de uma profissão para ela.

Todas essas questões são fundamentadas em preconceitos (conceitos pré-concebidos) de que existe um grau para a T21 e que, sendo um grau mais leve, ela seria teoricamente mais funcional à sociedade; de que, por ela possuir deficiência intelectual, não poderia realizar-se no campo relacional das emoções e ter uma vida afetiva, e sobre desenvolver sua capacidade cognitiva direcionada à formação profissional e, consequentemente, inserção no mundo do trabalho.

Nesse sentido, eu sou muito didática e me abro ao diálogo com quem quer que seja para desconstruir todas os preconceitos voltados às pessoas com T21. Elas são tão potentes e capazes como qualquer outra pessoa, mas possuem suas necessidades específicas do ponto de vista neuropsicomotor. Tendo esse suporte garantido, são capazes de conquistar seus espaços nos mais diversos campos da vida, de viverem seus afetos, suas próprias escolhas – e não de seus pais ou cuidadores.

O grande desafio no Brasil, de modo geral, é não termos, seja na Saúde, seja na Educação, políticas que garantam efetivamente o atendimento psicológico, físico e global. Na Saúde, quando não conseguimos acessar as terapias (fonoterapia, fisioterapia, terapia ocupacional, entre outras). E o desenvolvimento cognitivo, desde a educação básica com suporte de psicopedagogia, auxiliares de sala, entre outros elementos que são fundamentais para garantir o desenvolvimento de uma pessoa com Trissomia do Cromossomo 21 (Síndrome de Down).

CR: De que forma a maternidade transformou o seu olhar sobre as pessoas com deficiência?

KL: Enquanto assistente social e militante, eu sempre me impliquei nas lutas de modo mais geral, em especial em defesa do SUS, no entanto, foi a maternidade atípica que me levou a ter esse despertar para a luta em defesa dos direitos das pessoas com deficiência.

O sentir na pele quando as pessoas, as políticas sociais e as instituições são capacitistas e não inclusivas nos move a estudar, compreender e lutar contra os tipos de preconceitos existentes, como eles podem se dar de forma velada em nosso cotidiano e como nós mesmas as vezes reproduzimos certos comportamentos capacitistas.

Então, a gente tem esse desejo de melhorar o mundo não apenas para a nossa filha, mas também por ela. Quando o coletivo de pessoas muda, ele também é bonificado, porque você pode até ter uma implicação individual, mas não muda nada sozinha e precisa começar de casa e ir para os mais variados lugares.

Sem dúvida, a maternidade transformou muito a minha vida e faz emergir o que existe de mais forte para lutar, vendo em qualquer situação ou lugar espaços de diálogo para a transformação do coletivo.

Um desses espaços é a escola. Onde nossas filhas estudam, no dia alusivo à T21, fizemos momentos com as crianças, com uma linguagem apropriada, conversando sobre o que era a Síndrome de Down. Nossa filha de três anos dizia para os colegas o que era a Síndrome de Down para ela. E assim vamos desconstruindo os preconceitos desde a primeira infância.

Outro momento foi na Câmara Municipal de Mossoró, onde participamos de uma sessão simulada na qual colocamos em nossa fala todos esses desafios que as pessoas com deficiência enfrentam durante o seu processo de vida, destacando a necessidade de políticas que sejam realmente inclusivas.

Acredito que, por mais que eu já fosse uma profissional comprometido com algumas lutas específicas, a maternidade atípica me possibilitou estar hoje nessa luta anticapacitista.

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