Neste mês, o CRESS Entrevista Luiz Katu em alusão ao Dia da Amazônia, celebrado em 5 de setembro. O líder potiguar fala sobre a destruição da floresta e a necessidade de união para barrar o desgoverno e a entrega da nossa riqueza natural.
Luiz Katu é cacique potiguara da aldeia Catu-Goianinha/Canguaretama, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do RN (APIRN) e professor indígena.
“A pandemia não é compreendida como algo novo para os povos indígenas, mas uma sequência da destruição, do genocídio, da usurpação e da retirada da vida da mãe terra e da nossa também”, afirma o cacique.
Confira a entrevista
CR: Neste Dia da Amazônia em contexto de pandemia, temos o que comemorar? Como está a situação da nossa floresta?
LK: Não dá para comemorar com alegria, não dá para os povos indígenas do Brasil celebrarem com grande felicidade a nossa grande floresta, porque acontece hoje com a Amazônia o que aconteceu com a Mata Atlântica, com o filtro natural da costa brasileira. O que vem acontecendo com todo o bioma da Amazônia é o que aconteceu com o bioma da Mata Atlântica, com os ecossistemas, mangues, toda a vida das florestas e matas ciliares, matas próximas aos mangues.
Isto chegou há décadas na Amazônia e é como um câncer, trazido pelo garimpo, pela retirada ilegal de madeira, pelos incêndios criminosos provocados por aqueles que querem ocupar a Amazônia pelos pastos, para o cultivo da monocultura. Tudo isto tem matado e destruído a floresta e consequentemente os povos indígenas que ali habitam e estão resistindo.
É um processo que há 500 anos os indígenas do litoral vêm enfrentando. É muito preocupante, é um grito. É preciso que o povo brasileiro, mesmo aquele que não tem sangue indígena, compreenda que nós lutamos pela vida, que é uma luta conjunta defender a mãe terra e a natureza, não só uma luta indígena. Precisamos defender a floresta, seja a Amazônica, seja a Mata Atlântica, que já foi quase totalmente destruída, só restando 12%.
Se não houver um trabalho, uma resistência, uma pressão por parte da opinião pública, isto vai acontecer também com a Amazônia. Então, nosso grito hoje é de juntar para resistir, juntar para barrar, parar imediatamente toda a destruição que está acontecendo, todo o desgoverno e despreparo da equipe de governo atual, que está entregando a nossa floresta.
CR: A pandemia diminuiu ou aumentou o desmatamento?
LK: A pandemia não é compreendida como algo novo para os povos indígenas, mas uma sequência da destruição, do genocídio, da usurpação e da retirada da vida da mãe terra e dos povos indígenas. Nós já sofremos outras pandemias que para o mundo não eram pandemias, resistindo, morrendo, vendo nossos parentes morrerem por doenças como a varíola e a gripe.
Apesar disso, há nesta pandemia perdas enormes e irreparáveis no planeta e aqui no Brasil, com mais de 100 mil mortos sendo enterrados sem ao menos seus entes queridos poderem se despedir. Isto dói, rasga o coração. Nos territórios indígenas, a pandemia tem também matado, destruído lares com perdas irreparáveis de anciãos que levam consigo uma memória que não pode ser recuperada. Isto para nós é muito doloroso.
Com relação à floresta, à ação do homem não-indígena, à ação do garimpo, das madereiras e do agronegócio, isto não parou. Em alguns espaços, em alguns momentos, até aumentou, porque aproveitaram que os indígenas precisaram ficar isolados, mantendo-se na quarentena para não levar o vírus para as aldeias. Aproveitaram para atacar e queimar mais.
Infelizmente, a pandemia está sendo usada como estratégia para quem destrói a natureza. Temos acompanhado vídeos dos nossos parentes indígenas mostrando o aumento do transporte ilegal de madeira. Isto é muito preocupante, e o Ministério do Meio Ambiente é omisso, age de forma criminosa com relação à Amazônia e ignora o grito dos povos indígenas.
CR: Como os povos indígenas têm se posicionado e atuado em defesa da Amazônia?
LK: Há um grito coletivo de resistência dos povos indígenas do Brasil: COIAB, APIB, APOINME e tantas outras organizações indígenas de luta, do movimento indígena organizado. Temos feito manifestos, temos pressionado, sentado com a bancada da resistência indígena para denunciar. Inclusive o avanço da COVID-19 na Amazônia é gritante, assombra. E há uma omissão dos números tanto do avanço da pandemia como da destruição da floresta. A APIB tem lançado relatórios, tem mostrado como está a situação e a omissão do governo.
Hoje, não há um diálogo com o governo, mas uma tentativa muito clara de fragilizar a FUNAI e o IBAMA, que hoje não têm pernas para fiscalizar. Deixa a situação a peito limpo para os parentes indígenas, que têm que estar na quarentena, para não levar o vírus para a aldeia, e ao mesmo tempo fazendo frente, corrente humana para defender a floresta amazônica. Isto é muito preocupante para todas as lideranças e movimentos indígenas do país.
Temos acompanhado o assassinato de várias lideranças em 2019 e 2020. São perseguições e também uma tentativa de eliminar todo indígena que faça frente ao avanço deste projeto genocida contra a Amazônia. Mas os povos indígenas vão continuar resistindo. Há uma luta conjunta de norte a sul deste país para sensibilizar que a Amazônia é a vida e precisa ser protegida pelos governos, por ONGs e por toda a nação brasileira. A população precisa acordar imediatamente.
CR: Por que a Amazônia atrai tantos olhares para as riquezas brasileiras e como você analisa a questão sob o cenário atual de avanço do neoliberalismo?
LK: Temos uma floresta de tamanha magnitude como a Amazônia, que abrange o Brasil e outros países, com tão rica biodiversidade, rica quantidade de plantas medicinais, varidade da flora e fauna, solo riquíssimo. Aí está o motivo da ganância do não-indígena em querer explorar para tirar todas as riquezas minerais que ali existe. Isto pra gente é muito doloroso, porque a terra, para nós, não é propriedade, somos parte dela. O não-indígena tem a terra como algo que dá lucro.
Hoje, os olhares estão voltados para esta ideia do avanço descontrolado do agronegócio, porque a Amazônia tem o Xingu, área pela qual houve uma luta tremenda por sua demarcação e contra a sua destruição. E há outras áreas também importantes, com centenas de etnias indígenas dentro da Amazônia. Então não tem como as madereiras, os garimpos e o agronegócio fazerem isto de forma tão branda, como eles querem dizer. Daí a ação de fragilizar os povos indígenas, tirá-los dos seus territórios para explorar o minério e tantas outras coisas.
Garantir que não haja mais demarcação é uma forma de fazer isto, porque há muitas áreas que estão sendo reinvindicadas e foram travadas. Também há projetos genocidas para retirar terras demarcadas por revisão, dando este poder ao Congresso. Isto não pode acontecer e é consenso dos povos indígenas do Brasil que a demarcação esteja garantida na Constituição Federal.
O que foi conquistado com muita luta não pode ser desfeito do dia para a noite pelos interesses das grandes empresas e multinacionais. Então, nós da luta indígena temos uma preocupação tremenda com esta ganância com relação à Amazônia. Apesar de eu ser um indígena do Nordeste, não estou distante da defesa e da resistência pela Amazônia. Eu venho de uma geração que lutou e deu a vida pela Mata Atlântica. Não vamos permitir que isto ocorra com a Amazônia. O sangue indígena tem que ser respeitado como povo originário, e a Amazônia é a mãe de centenas de etnias indígenas aqui no Brasil.