CRESS Entrevista Maria Figuerêdo sobre o Dezembro Vermelho

Dezembro é o mês de luta contra a AIDS, uma campanha global que tem o objetivo de combater o preconceito, estigma e desinformação em torno da doença e do vírus HIV.

Para debater sobre o tema, o CRESS Entrevista Maria Figuerêdo, assistente social que atua na Saúde estadual, mestra em Serviço Social e apoiadora institucional da Escola de Saúde Pública do RN.

“Devemos nos voltar para o desenvolvimento permanente de uma competência crítica e propositiva que possa lidar com a tensão existente entre as demandas das pessoas que buscam os serviços com diversas necessidades e os recursos insuficientes para prestar ou articular tais serviços”, explica Maria.

Confira a entrevista:

CR: Como funciona, hoje, a rede de atendimento às pessoas vivendo com HIV no estado e no país?

MF: É possível constatarmos que a rede de atendimento a Pessoas Vivendo com HIV (PVHIV) no estado tem se estruturado e se expandido, assim como em outros estados brasileiros. Segue diretrizes do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI) do Ministério da Saúde, numa perspectiva de que a infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e suas manifestações clínicas em fase avançada (a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – AIDS), sem dúvidas, são um problema de saúde pública de grande relevância na atualidade, com caráter pandêmico.

A introdução da Terapia Antirretroviral (TARV) a partir de 1996 e sua extensão em 2013 para todas as PVHIV, independentemente da carga viral, ocasionoram um aumento da sobrevida dessas pessoas, bem como o desafio de expandir os Serviços de Assistência Especializada (SAEs) para possibilitar o cuidado em saúde, diante do aumento das demandas.

Atualmente, a Secretaria de Estado da Saúde Pública (SESAP) possui uma rede que se organiza a partir da Coordenação do Programa Estadual de IST, AIDS e Hepatites Virais; Articuladores Regionais de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e 14 SAEs conectados às oito regiões de saúde e distribuídos em Natal, Parnamirim, Macaíba, São Gonçalo do Amarante, São José de Mipibu, Santa Cruz, São Paulo do Potengi, Caicó, Mossoró e Pau dos Ferros.

O papel dos SAEs é de acolher, orientar e possibilitar a assistência à saúde a todas as pessoas que estejam com o HIV, seja de forma espontânea ou referenciada por outros serviços da rede municipal e estadual de saúde pública e/ou privada, considerando a regionalização no estado, a partir da disponibilização de um conjunto de especialidades que possam estar empenhadas em produzir saúde, conforme preconiza o Sistema Único de Saúde.

Vale salientar que, para essa rede funcionar, o esforço deve ser perene, tanto da gestão como da atenção à saúde.

CR: E no tocante às pessoas com diagnóstico de AIDS, como a rede de atendimento está estruturada?

MF: No caso de quem está com AIDS, ou seja, quando o HIV já provocou o enfraquecimento do sistema imunológico e o consequente surgimento de doenças secundárias (“doenças oportunistas”, como, por exemplo, a tuberculose), o RN dispõe de dois hospitais de referência estadual: o Hospital Rafael Fernandes (em Mossoró) e o Hospital Giselda Trigueiro (em Natal). Ambos são referência em doenças infecto contagiosas e com serviços de internação, ambulatorial e de Hospital-dia, sendo este um serviço em que a pessoa com HIV/AIDS é tratada durante o dia e retorna para sua casa após receber a medicação, em geral intravenosa.

Vale salientar que o acesso à internação ocorre de forma normatizada por meio de regulação entre a rede de serviços, seja de Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) ou outros serviços de saúde, e os Núcleos de Internos de Regulação (NIRs) dos hospitais referidos.

CR: Que balanço você faz desta política na atual conjuntura?

MF: Certamente essa política é bastante complexa e abarca investimentos altos, principalmente no que diz respeito à aquisição de medicamentos, sejam para tratar ou prevenir o HIV, através da prevenção combinada.

É possível observar um avanço do MS no tocante às medidas de prevenção, bem como em estratégias de Vigilância em Saúde; criação de sistemas eletrônicos e bancos de dados; produções científicas e discussões via secretarias de saúde, tendo como base normativas desse Ministério sobre a importância do trabalho em rede, incluindo as diversas esferas estatais e da sociedade civil.

Exemplos recentes são eventos que estão ocorrendo no RN, como o II Seminário Estadual de Combate ao HIV/AIDS do RN, organizado pela SESAP, com foco no fortalecimento da Rede de Atenção à Saúde, que ocorrerá no próximo dia 20 de dezembro na UFRN. Esta atividade envolve organizações da sociedade civil, profissionais de saúde, representantes municipais e Núcleos Regionais de Vigilância em Saúde.

Todos esses esforços são salutares, envolvendo diferentes políticas para frear o aumento da epidemia. Como mostra a Nota de Alerta – HIV/AIDS – Ano 2022 da SESAP, nos últimos 10 anos, no RN, observa-se um crescimento de 39,5% no registro de casos de AIDS; 39,3% nos casos de infecção pelo HIV; 74% no número de casos de gestantes infectadas pelo HIV e 19,4% na ocorrência de óbitos por AIDS.

Entre janeiro e outubro de 2022, foram registrados 590 casos de AIDS e 782 de infecção pelo HIV, revelando um aumento no registro de casos de 29,1% e 42,5%, respectivamente, quando comparado com o mesmo período de 2021.

Trata-se de um panorama que reforça a necessidade de que, em referência ao Dezembro Vermelho (mas não apenas em dezembro), todos os municípios do estado e profissionais busquem desenvolver ações de mobilização, tanto no campo da gestão como da atenção à saúde, para facilitar o acesso pelas pessoas a estratégias de prevenção (acesso a preservativos masculinos e femininos, PrEP e Profilaxia Pós-Exposição – PEP), bem como de diagnóstico precoce da infecção ao HIV (testagem rápida), sem perder de vista o rigor quanto ao sigilo profissional. Esta é uma questão delicada que leva muitas pessoas a não quererem ser testadas em Unidades Básicas de Saúde, por localizarem-se no território em que vivem, juntamente com a família, e ouvirem relatos de quebra de sigilo em relação a resultados de testagens.

CR: De que forma as/os assistentes sociais atuam neste atendimento e quais os principais desafios, hoje?

MF: As/os assistentes sociais compõem a equipe mínima dos SAEs e também estão presentes nos hospitais estaduais de referência para o tratamento da AIDS, bem como na rede municipal de saúde, enquanto profissionais importantes nos processos de trabalho voltados para o enfrentamento dessa epidemia. Devemos estar atentas/os à leitura da realidade das pessoas usuárias nas dimensões sociais, políticas, ideológicas, culturais e econômicas, sem perder de vista os aspectos preconizados no Código de Ética do Serviço Social e do Projeto Ético-político da Profissão, bem como os Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Saúde.

Nesse sentido, o trabalho deve se pautar numa abordagem socioeducativa, com dimensões assistenciais, de articulação e de prevenção à saúde, com vistas à melhoria do acesso pelas pessoas usuárias, a partir da luta pela garantia dos direitos e deveres dessas. Isto inclui também estratégias de sensibilização sobre a adesão ao tratamento, processo que não é simples, pela dificuldade de muitas pessoas de assumirem o diagnóstico, que é “envolto” em muito preconceito e discriminação. Muitas, ainda, têm fragilidades quanto às condições socioeconômicas, culturais, psicológicas e de rede de apoio para ajudá-las no processo de um tratamento que é por tempo indeterminado.

Na verdade, pensar num tratamento que não tem cura é difícil, mas o trabalho socioeducativo é muito importante no processo de sensibilização dessas pessoas de que hoje, embora não haja cura, existe a possibilidade de se tornar “indetectável ao HIV”, ou seja, com o uso da TARV é possível que o vírus fique indetectável na corrente sanguínea, o que traz muitos benefícios.

Outro desafio é ajudar tais pessoas a romperem barreiras sociais de estigmas, discriminação e de classe, considerando todas as dificuldades, redução de investimentos no sistema de proteção social brasileiro e escassez dos meios de trabalho que a equipe dispõe.

Por fim, outro desafio é aprofundarmos a análise sobre os impactos da desigualdade social nas suas diferentes dimensões no cenário dessa epidemia e traçarmos estratégias individuais e coletivas contra a mesma, considerando-a causa do aguçamento de diversas “expressões da questão social”.

CR: Como deve ser a atuação profissional de forma a viabilizar direitos e contribuir para o fim do preconceito e toda e qualquer forma de opressão?

MF: Devemos nos voltar para o desenvolvimento permanente de uma competência crítica e propositiva que possa lidar com a tensão existente entre as demandas das pessoas que buscam os serviços com diversas necessidades e os recursos insuficientes para prestar ou articular tais serviços.

Sem dúvidas, vive-se um aguçamento das manifestações da “questão social”, como violências de diversas ordens, negação de benefícios previdenciários e assistenciais, exclusão digital, precarização e exclusão no mundo do trabalho, diminuição do número de profissionais nos serviços de saúde (inclusive de assistentes sociais), LGBTfobia, pauperização, dentre outros. Trata-se do desafio de decifrar essas necessidades da esfera privada das pessoas que necessitam de atendimento e transportá-las para o campo coletivo e de fortalecimento de direitos.

Os Parâmetros para Atuação de Assistentes Social na Saúde, construídos pelo CFESS, realmente nos guiam em dimensões fundamentais, pois nos convidam para não paralisarmos, mas atentarmos para diversas dimensões possíveis de atuação, dentre elas o trabalho em equipe, o planejamento, a formação profissional, a mobilização, a participação e o controle social, elementos que nos impulsiona a pensar: Não estamos só!

Por fim, outro instrumento que podemos fazer uso como parâmetro na produção de saúde é a Política Nacional de Humanização (PNH), que nos lembra da necessidade de pormos na “roda” gestores, trabalhadoras/es e usuárias/os, para pensarmos formas de avançarmos nessa produção, incluindo o combate ao preconceito e qualquer forma de opressão.

CR: Como as pessoas podem realizar o teste rápido e de que maneira a rede tem realizado o trabalho de prevenção?

MF: Os testes rápidos para a detecção da infecção pelo HIV estão disponíveis, no SUS, para toda a população. São exames muito importantes que permitem o diagnóstico precoce, oportunizam que o acesso ao tratamento seja mais rápido, minimizam os possíveis danos à saúde da pessoa infectada, além de contribuírem com a redução da transmissão e proporcionarem uma melhor qualidade de vida às PVHIV. Sobre essa estratégia, a rede básica de saúde apresenta-se enquanto espaço fundamental e deve cotidianamente colocar em prática o trabalho sigiloso para facilitar o acesso da população que reside em seus territórios.

Existem outras formas de prevenção que, somadas, chamamos de prevenção combinada. Conforme a Nota de Alerta – HIV/AIDS – Ano 2022,  “o uso de preservativos durante as relações sexuais, a utilização de seringas e agulhas descartáveis, o uso de luvas para manipular feridas e líquidos corporais, a testagem prévia de sangue e hemoderivados para transfusão, a testagem dos doadores de órgãos, o uso de antirretrovirais durante a gestação de mães infectadas e não amamentação para prevenir a transmissão vertical, assim como a realização periódica do exame de detecção do HIV, principalmente após exposição a uma situação de risco, são outras medidas importantes de prevenção”.

Nesse sentido, a prevenção combinada amplia as opções que os indivíduos terão para se prevenir contra o vírus, para além do uso de preservativos.

A Profilaxia Pós- Exposição, por exemplo, é uma medida de prevenção de urgência à infecção pelo HIV, hepatites virais e outras infecções sexualmente transmissíveis (IST). Deve ser utilizada após qualquer situação em que exista risco de contágio, tais como violência sexual, relação sexual desprotegida (sem o uso de camisinha ou com rompimento da camisinha) e acidente ocupacional (com instrumentos perfurocortantes ou contato direto com material biológico). No RN, estão estruturados 35 serviços de PEP.

Existe também a PrEP, que consiste na utilização diária e contínua de antirretroviral, antes da pessoa ter contato com o vírus do HIV. Quando surgiu, estava indicada para grupos específicos: adultos não infectados com maior risco de infecção pelo HIV, como gays e homens que fazem sexo com homens (HSH), trabalhadoras/es do sexo, travestis e transexuais, além dos casais sorodiferentes (uma pessoa infectada pelo vírus HIV e a outro não). Hoje, foi ampliado para todas as pessoas que se sintam em situações de risco ao contágio e que estejam em condição de fazer uso da profilaxia. Importante salientar que também está sendo possível ser administrada junto a adolescentes, considerando a análise do infectologista responsável. A perspectiva é de que o RN feche o ano de 2022 com 11 serviços de PrEP.

Ressalta-se que a vacinação contra doenças sexualmente transmissíveis (Hepatite B e Papilomavírus Humano – HPV) também é uma forma de prevenção as ISTs e inclui-se dentro do contexto de prevenção combinada.

Enfim, é importante ressaltar que as ações preventivas devem ocorrer durante todo o ano, e que todos nós temos a responsabilidade de buscar respostas a tal epidemia.

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