No mês em que estudantes, professoras/es e demais trabalhadoras/es se preparam para uma histórica Greve Geral, o CRESS Entrevista Regina Ávila sobre os cortes na Educação e os desafios postos para as/os assistentes sociais docentes e que atuam nas universidades do país em defesa da educação pública de qualidade.
Regina Ávila é assistente social, professora Dra. do Departamento de Serviço Social da UFSC e foi docente na UFRN entre 2009 e 2015. Atualmente, é vice-presidente da seção sindical da UFSC – ANDES/SN e foi presidente da ABEPSS no período 2013/2014.
“A avalanche que procura desacreditar o conhecimento, a pesquisa e a extensão é parte de um processo de capitalização da educação”, analisa Regina. “A universidade é o lugar da crítica porque sem ela não se pensa as possibilidades de melhorias para a sociedade”.
Confira a entrevista
CR: O que representa para o país, hoje, os cortes pretendidos pelo atual governo na Educação?
RA: Em primeiro lugar, chamo atenção para o fato do que tem se chamado de contingenciamento, que na prática significa corte de recursos. Esta é uma realidade para a política de Educação há décadas. Não vamos esquecer que há um desinvestimento nas políticas sociais em detrimento do pagamento da dívida pública, questionada pelos setores populares e sindicais, indicada para sua auditoria e que os diversos governos, incluindo o atual, se negam a afrontar. Entre 2003 e 2017, de acordo com a ANDES, o gasto com juros e amortizações da dívida pública somou R$ 536 bilhões, enquanto 50,3 bilhões foram destinados às universidades em 2017. Outra medida que é importante destacar nesse debate é a PEC 95, a PEC da Morte, que contingencia a verba para as políticas públicas por 20 anos, com possibilidade de revisão em 10 anos.
Na universidade, a repercussão é cotidiana: falta de manutenção dos equipamentos; precarização do trabalho; corte do pouco, mas fundamental, investimento para a permanência estudantil; corte de verba para pesquisa e extensão.
Assim, o corte anunciado de 30% na Educação pelo atual governo é o decreto da morte das universidades. Adicionado aos argumentos de discriminação política, de desqualificação do conhecimento em detrimento à importância e ao desempenho das universidades, mostra não só a intenção de privatizar a Educação, em especial o ensino superior, como aniquilar o conhecimento crítico e o acesso de pobres, negras e negros à universidade. Não se pode desvincular essas medidas do conjunto de outras já em implementação, como a Reforma do Ensino Médio, por exemplo. Portanto, respondendo diretamente à pergunta, o corte representa o fim do direito à educação pública, laica, gratuita e de qualidade à população.
Mas é igualmente importante salientar que a resposta, que tem na juventude o protagonismo, vem intensificando as manifestações de resistência, a exemplo dos últimos dias 15 e 30 de maio. E será maior no dia 14 de junho, data da greve geral contra a Reforma da Previdência e cortes na Educação.
Além disso, o ANDES-SN protocolou ação pedindo à Procuradoria Geral da República a investigação sobre irregularidades dos cortes na Educação e apontando os ataques contra a autonomia das universidades. O Ministério Público Federal ajuizou uma Ação Civil Pública contra o ministro da Educação e a União por danos morais coletivos. Esta ação, inclusive, tramita na Justiça Federal do RN.
Ou seja, nossos desafios se colocam em mantermos ações combinadas nos âmbitos institucionais/legais e de mobilização em unidade com os setores que defendem a classe trabalhadora e a Educação. E é justamente o que estamos fazendo.
CR: De que forma as/os assistentes sociais que atuam na Educação são atingidas/os?
RA: De variadas e combinadas formas. Enquanto trabalhadoras e trabalhadores diretos na política da Educação, por meio da precarização do trabalho e da formação e na necessária articulação das políticas sociais para o atendimento à população, por exemplo. Mas quero destacar o que isso significa para a formação de graduação e pós-graduação em Serviço Social, cujos ataques repercutem em um dos polos de resistência, que é a nossa formação crítica, anticapitalista e eticamente comprometida com um projeto de emancipação humana.Sim, porque essa enxurrada de medidas econômicas e políticas contra a Educação Pública animam setores conservadores da profissão. Isso coloca tarefas no campo da disputa, embora sempre presente no Serviço Social, mas agora há a materialidade e apoio da política governamental.
De toda forma, considero que nossas entidades estão dando conta dos enormes desafios. ABEPSS, ENESSO e o conjunto CFESS/CRESS são um patrimônio de luta e resistência e estão afinados com o tempo presente e têm nosso total apoio! Além disso, estamos nas trincheiras do movimento docente e sempre nos encontramos nas lutas como deve ser.
CR: Quais os desafios para a categoria, atualmente, na organização política de enfrentamento ao desmonte das políticas sociais?
RA: Um dos desafios é construir a unidade para resistir ao que realmente está em disputa. A universidade não é neutra e as pessoas estão saturadas por seus posicionamentos políticos, ideológicos e defendem projetos de sociedade diferentes. Portanto, exige um trabalho de convencimento político e ideológico a ser feito, em que pese a realidade de corte de verbas, que atinge a todos, unifica a categoria na luta contra as atuais medidas, com disponibilidade de luta com variadas estratégias.
Outro desafio é aprofundar o diálogo com a sociedade extramuros. Publicizar, socializar as pesquisas, a importância da universidade para a vida das e dos estudantes, o reconhecimento da competência das universidades públicas brasileira para a ciência.
CR: Como as/os docentes do país estão enfrentando a conjuntura? Ainda é possível problematizar e resistir na sala de aula, nos espaços das universidades?
RA: Os docentes têm uma longa e importante história de resistência nesse país na luta em defesa da liberdade e dos direitos sociais. Especialmente por meio da organização da nossa categoria no ANDES-SN, que se caracteriza como um dos sindicatos mais aguerridos na atual conjuntura de desmonte do estado de direito. Quero dizer, assim, que o acúmulo de lutas e de debates em torno da defesa da Educação pública, laica, gratuita e de qualidade possibilita ao movimento docente construir estratégias e táticas que busquem a unidade de todas e todos aquelas/es que venham a somar nessa direção, em particular para enfrentar os ataques contra a classe trabalhadora e aquilo que se conquistou como direitos. Estou me referindo, portanto, ao conjunto de entidades da Educação, movimentos sociais, populares e sindicais, além das e dos estudantes e TAES (técnicos administrativos e educacionais).
Assim, temos enfrentado e organizado possibilidades de mobilização nessa unidade. No último 15 de maio, em resposta ao anúncio de corte de 30% da Educação, realizamos uma paralisação e mobilização histórica, com apoio de amplos setores da sociedade; 30 de maio foi outro dia de luta nacional que acumula para a chamada da Greve Geral. Este momento será crucial, inclusive para reverter os cortes na Educação e todos os demais ataques que vêm se aprofundando no contexto de avanço ultraliberal.
A sala de aula sem dúvida é um dos espaços de resistência e hoje se impõe como uma necessidade. A avalanche que procura desacreditar o conhecimento, a pesquisa e a extensão é parte de um processo de capitalização da educação. É ignorância útil toda essa investida contra a educação pública. O governo e seus elaboradores e asseclas questionam a “doutrinação de esquerda” sob o manto mais ideológico que conhecemos na história, que é a moralização da vida social.
A universidade é o lugar da crítica porque sem ela não se pensa as possibilidades de melhorias para a sociedade. Portanto, a grande questão em disputa é a conhecida luta de classes: educação para que, para quem e como.