No último dia 15/9, o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, concedeu uma liminar que afronta o debate sobre direitos LGBT: determinou ao Conselho Federal de Psicologia que não interprete a Resolução CFP nº 01/1999 de modo a impedir que psicólogos e psicólogas promovam estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual.
Em outras palavras, a decisão do magistrado permite que profissionais da psicologia façam estudos e ofereçam terapias com a temática de (re)orientação sexual, abrindo brecha para o entendimento que a homossexualidade pode ser curada.
A Organização Mundial da Saúde, desde 1990, defende que a homossexualidade não é doença e sim uma variação natural da sexualidade humana. A posição foi tomada a partir de estudos científicos no campo da psicologia.
A Resolução do CFP, alvo da decisão, é fundamentada em importantes argumentos: aponta que homossexualidade não é doença, distúrbio ou perversão; que na sociedade há “inquietação” em torno de práticas sexuais desviantes; e que a psicologia deve contribuir para explicitar questões na área, permitindo a superação de preconceitos. Além disso, determina que psicólogos e psicólogas não exerçam qualquer atividade que transforme a homossexualidade em doença e veta que a categoria se pronuncie sobre o assunto de modo a reforçar preconceitos presentes na sociedade.
O CFESS divulgou um vídeo criticando a decisão judicial e manifestando apoio ao CFP, argumentando que o Código de Ética do/a Assistente Social defende que o exercício do Serviço Social deve ocorrer sem qualquer tipo de discriminação em razão da orientação sexual e identidade de gênero, e que a categoria deve se empenhar na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade.
Além disso, o CFESS tem também uma resolução, a 489/2006, que estabelece normas vedando condutas discriminatórias ou preconceituosas, por orientação e expressão sexual por pessoas do mesmo sexo, no exercício profissional do/a assistente social.
Entretanto, alguns comentários na publicação do vídeo mostram que uma parte da categoria de assistentes sociais ainda apresenta resistências a este debate, seja por uma interpretação equivocada do Código de Ética, seja porque se fundamenta em argumentos de cunho religioso, ou ainda porque se apoia na concepção de uma pretensa liberdade de psicólogos/as que, ao oferecerem cura para algo que não é doença, reforçam o preconceito que está na sociedade.
“Isto sim é o que adoece e mata a população LGBT: o preconceito e a discriminação da sociedade. Portanto, o/a assistente social que defende a posição do magistrado, e que acha que a homossexualidade é uma doença que pode ser curada, está desconsiderando todo o debate que o Serviço Social brasileiro faz há mais de uma década sobre a defesa dos direitos LGBT. Pode, inclusive, estar cometendo uma infração ética se, em um atendimento a uma usuária LGBT, dizer que a pessoa pode ser ‘curada’, como se sua orientação sexual fosse o problema”, afirma a vice-presidente do CFESS, Daniela Neves.
A decisão judicial também abre temerosos precedentes para interferência nas atividades precípuas dos Conselhos de Profissões Regulamentadas. “São órgãos como CFP e CFESS que regulam, orientam e fiscalizam questões referentes às suas respectivas áreas de saber, e se embasam em conhecimento teórico-metodológico específico e nos valores éticos universais de respeito à diversidade humana”, completa Daniela.
O vídeo também reafirma a campanha do Conjunto CFESS-CRESS pela livre orientação e expressão sexual, de 2006, chamada: O Amor Fala todas as Línguas – Assistente Social na luta contra o preconceito.
“É tarefa nossa contribuir para eliminar, nos nossos espaços de trabalho, práticas discriminatórias e preconceituosas quanto à orientação sexual e identidade de gênero. Atendemos pessoas que vivenciam cotidianamente a discriminação e a violência que atingem a população LGBT. Buscar intervir nessa realidade, em articulação com movimentos sociais, órgãos de defesa dos direitos humanos, entidades da própria categoria profissional, entre outros, construindo uma prática de combate ao preconceito e buscando viabilizar o acesso a direitos e serviços, é uma contribuição imprescindível que temos que prestar”, finaliza a vice-presidente do CFESS.
Para saber mais:
As entrelinhas da “liminar da cura gay”: a homofobia disfarçada de liberdade (matéria da Carta Capital)
*Fonte: CFESS