Projeto ético-político do Conjunto e descriminalização das drogas são debatidos no Descentralizado Nordeste

Continuou nesta sexta-feira (12) a programação do Encontro Descentralizado Cress Nordeste 2013. Promovido pelo Conselho Regional de Serviço Social – 3ª Região (Cress/CE), no Hotel Sonata de Iracema, em Fortaleza (CE), o segundo dia foi aberto ao público.

Com o tema “Agenda Política do Conjunto CFESS/CRESS e o desafio para efetivação do PEPSS”, a palestra de abertura contou com a participação da conselheira Sâmya Rodrigues, representando o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), da professora Virgínia Maria, do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e da conselheira Leiriane Araújo, representando o Cress/CE. Márcia Lustosa, conselheira do Cress/CE, mediou a discussão.
A professora Virgínia Maria deu início discutindo a ética no cotidiano e traçou uma linha do tempo histórica e teórica sobre o projeto ético-político-profissional do Serviço Social (PEPPSS). Apresentou também algumas polêmicas e desafios atuais para a profissão. Um exemplo citado foi a tensão da compra e venda da forca de trabalho especializada no contexto da mundialização contemporânea do capital com a precarização do trabalho.  A professora finalizou sua participação com um momento irreverente, cantando uma música de Caetano Veloso à capela, junto com a plateia.
Em seguida, a presidente do CFESS, Sâmya Rodrigues, iniciou sua fala comentando sobre a direção social estratégica das luta construída pelo Serviço Social brasileiro nos últimos 34 anos, a partir do marco do Congresso da Virada. Ela salientou a importância do projeto de ética do Serviço Social como um projeto diferenciado, que se propõe a pensar além da categoria. “Sem o conjunto CFESS/Cress, Abepss e Enesso não teríamos construído um projeto ético-político-social de qualidade”, argumenta.
Neste contexto, Sâmya citou o exemplo pela luta recente do PL Educação, que não é uma luta só pelo mercado de trabalho, mas pelos usuários do sistema, por uma melhoria da sociedade. Continuando a discussão, falou sobre a agenda “extremamente intensa” de trabalho dos últimos anos, argumentando que só aumenta, porque a conjuntura está se acirrando também com o tempo. “Este é o contexto histórico mais difícil que nós vivemos”, afirma.
Para encerrar a mesa, Leiriane falou também sobre a agenda política do conjunto CFESS/Cress e o desafio para a efetivação do PEPPSS, fazendo um resgate histórico e um apanhado atual da crise do capitalismo e das mudanças no mundo do trabalho. Segundo ela, o contexto atual de ruína do trabalho, da degradação dos direitos sociais e da precarização do serviço público provoca uma resignificação das políticas sociais. “Nós sabemos muito bem que o enfrentamento à pobreza não traz redução de desigualdade”, ressaltou.
Depois de destacar algumas ações do Cress/CE, Leiriane finalizou sua fala com uma indagação aberta para a plateia: “Que estratégias podemos criar para lidarmos com uma massa de profissionais com poucas chances de concretizar o perfil de um profissional crítico e com uma competência teórica, técnica, ética e política que preconiza as nossas regulamentações?”
A problemática das drogas
O segundo momento de atividades desta sexta-feira ficou por conta da palestra “A descriminalização de usuários/as de drogas e a política de Atenção Integral”, com a participação das palestrantes Cynthia Studart (Cress/CE), Regina Barroso (Universidade Federal do Ceará – UFC) e Heleni Ávila (CFESS).
Iniciando os trabalhos da mesa, a conselheira Cynthia fez um panorama da história da psiquiatria no Brasil e todos os seus retrocessos, sobretudo no tocante à consideração da loucura como expressão da questão social. Relatou aspectos do modelo manicomial e asilar no país e suas ramificações. “Na década de 1960, houve um rápido crescimento da mercantilização desses serviços, com o enfrentamento da loucura em espaços privados, mas com recursos públicos”, comentou, no sentido de explicar que há muitos interesses por trás do modelo brasileiro e até de outros países vigente no tratamento inclusive dos/as usuários/as de drogas.
Cynthia falou também do questionamento desse modelo tradicional, a partir da década de 1970, com a participação dos/as próprios/as usuários/as do serviço, familiares e profissionais de saúde. “Depois, foram surgindo demandas e conceitos como o de saúde mental, pedindo o descentramento do discurso médico e a demarcação do campo interdisciplinar, e da reforma psiquiátrica”, explicou.
Durante a apresentação, a conselheira também abordou a questão das drogas como elemento que passou de uso ritual e medicinal nas sociedades tradicionais para o consumo pelo consumo nas sociedades modernas, levando em conta os conceitos de individualismo e hedonismo. “Hoje, há alguns tipos de abordagem ao/à usuário/a, que passam pela resignação e ocupação do tempo livre à redução de danos, essa última na qual acreditamos ter maiores resultados”.
Para a assistente social, as drogas são muito ligadas ao crime e há um grande problema em propostas como a da internação compulsória, espécie de “higienização social” para a Copa do Mundo, fruto do Projeto de Lei 7663/10, do deputado Osmar Terra (PMDB-RS). “Há também uma forte concepção da dependência química como doença cerebral e tende-se a misturar o que é uso e dependência”, criticou.
Após a primeira fala, foi a vez da professora e psicóloga Regina Barroso falar sobre descriminalização, que, para ela, é um caminho mais curto que o da legalização. “Para começar, queremos que o usuário não seja preso e coagido nem internado compulsoriamente”, enfatizou. Ela explicou que o uso de drogas em todo o mundo é comprovadamente independente de raça, etnia e condição social. “De acordo com a Organização Mundial de Saúde, cerca de 10% da população dos grandes centros urbanos apresentam consumo abusivo, tanto de substâncias lícitas quanto ilícitas”.
As drogas ilegais movimentam, de acordo com dados levantados pela pesquisadora, de 400 e 600 bilhões de dólares por ano. Os brasileiros seriam, conforme essas pesquisas, uns dos maiores consumidores de crack do mundo, sendo também uma nação que conseguiu avançar na redução do consumo do tabaco.
“A abstinência não é a melhor saída. Basta comparar a situação de quem precisa fazer uma dieta e não pode tirar de vez o sal e açucar da alimentação, sob o risco de, após algum tempo, voltar a usar demasiadamente”, disse, reportando-se também à redução de danos como alternativa mais eficiente que o proibicionismo das políticas tradicionais. A palestrante criticou, ainda, o formato das comunidades terapêuticas, que recebem financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e sequer necessitam, para funcionar, de profissionais especializados/as.
Por fim, a palestra foi encerrada com a conselheira Heleni, que ratificou o discurso e posicionamento do serviço social contra a atual metodologia amedrontadora e proibicionista. “Não dá para pensar descriminalização sem pensar em legalização”, apontou.
A assistente social também criticou fortemente a lógica conservadora que propaga que a droga lícita, como o tabaco e o álcool, é menos lesiva. “Hoje morre-se muito mais por problemas decorrentes dessas substâncias do que de outras consideradas ilegais, mas interessa ao capital manter a indústria da cerveja com seus grandes grupos”.
*Com a colaboração da Assessoria de Comunicação do Cress/CE

Outras Notícias

Dúvidas frequentes

Principais perguntas e respostas sobre os nossos serviços