O Código de Ética do/a Assistente Social tem como um de seus princípios o fortalecimento dos movimentos sociais, o que se materializa na articulação que o Conjunto CFESS-CRESS faz com outros sujeitos coletivos, nas diversas frentes de luta em que se insere. Um dos movimentos parceiros do CFESS é a Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), que, assim como o Conselho Federal, acredita que a luta pela efetivação da reforma psiquiátrica deva ser fundamentada em valores e ações que levem, de fato, à superação das práticas sociais manicomiais e violadoras da autonomia e da liberdade emancipatória.
“Temos o desafio de construir uma nova mentalidade social sobre a ideia da loucura”, diz Paulo Amarante, da Abrasme
Nesse sentido, para fortalecer o debate, especialmente no mês em que se registrou o Dia Nacional da Luta Antimanicomial (18 de maio), com a realização de uma série de atividades pelo Brasil, o CFESS entrevistou o integrante da diretoria da Abrasme Paulo Amarante, que trouxe elementos para a discussão, além de avaliar a importância do Serviço Social na luta Antimanicomial. Confira abaixo:
CFESS – Como você avalia o significado dos atos públicos em diversas cidades brasileiras, ocorridos no dia 18 de maio?
Paulo Amarante – A ideia do dia 18 de maio, bem como das atividades realizadas em todo o mês, tem uma representação importante na busca da construção de uma nova mentalidade social sobre a ideia da “loucura”. Mais do que a reforma psiquiátrica no sentido da reforma de serviços, porque a mentalidade retrógrada, conservadora, que vê a loucura como periculosidade, incapacidade, é que busca a sua exclusão, que reivindica a sua rejeição, o enclausuramento. Por isso, nosso desafio é demonstrar que tudo isso são preconceitos construídos historicamente a partir de uma visão de psiquiatria e de uma prática social, política e cientifica equivocada. O dia 18 de maio teve isso como principal foco: levar essa discussão para a sociedade. E já são 27 anos sendo realizados estes eventos no Brasil inteiro, inclusive em municípios de médio e pequeno porte. Hoje, o Dia Nacional da Luta Antimanicomial não é mais só uma data, mas uma proposta politica desenvolvida e executada no cotidiano das práticas sociais, politicas e culturais que dizem respeito à Saúde Mental.
CFESS – Qual a sua opinião a respeito da regulamentação das comunidades terapêuticas, após o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) ter aprovado uma resolução a respeito do assunto?
Paulo Amarante – Esse fato é um retrocesso político. Um descompromisso do Estado e do governo com a sociedade civil, que fez uma menção contrária a estas comunidades, depois de anos de discussão, inclusive na 14ª Conferência Nacional de Saúde e também na 4ª Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial. Esta mesma sociedade civil explicou, por meio das menções elaboradas, que as comunidades terapêuticas representam uma fraude com a própria proposta original inglesa, cuja ideia era de democratização, de dar voz ao sujeito com transtorno mental, transformá-lo em verdadeiro ator responsável pelo seu tratamento, o que é totalmente distinto do que vem sendo praticado nas comunidades terapêuticas que hoje existem no país. Além disso, elas caracterizam uma utilização equivocada de recursos, sob uma ótica manicomial, repressiva, representando um grave desrespeito aos direitos humanos. A regulamentação demonstra a força e o interesse mandatário, financeiro e político da bancada fundamentalista no Congresso Nacional.
CFESS – Na articulação entre as diversas profissões da área da Saúde, juntamente com os movimentos sociais, como você vê o papel de assistentes sociais na luta antimanicomial?
Paulo Amarante – Sempre considerei a categoria de assistentes sociais como uma das mais progressistas na área da Saúde como um todo, por ter a discussão da questão do Estado, das políticas públicas, por pensar de maneira crítica, no sentido da teoria crítica, sobre as relações entre Saúde, Estado e Capital. E, a partir daí, trazer para o debate uma visão ampla do papel das entidades e da sociedade civil na sua relação com o Estado, com as políticas públicas, sob uma perspectiva emancipadora dos sujeitos, entendendo-os como sujeitos de direitos. Portanto, sem essa contribuição do Serviço Social, no sentido da reflexão crítica, opera-se apenas pela mera reprodução do sistema.
CFESS – Que perspectivas, riscos e desafios você coloca para a reforma psiquiátrica no Brasil de hoje?
Paulo Amarante – A questão maior é o recrudescimento do conservadorismo, do fascismo, da visão contrária à ideia da solidariedade e dos direitos, da possibilidade de as pessoas exercerem sua diversidade cultural, ética, religiosa e política. Isso tem demonstrado que o país, ao contrário do final dos anos 1970 e inícios dos anos 1980, hoje está sendo fortemente influenciado pela direita econômica e ideológica, que tem procurado apenas restringir direitos. Assim, vemos uma ampliação de uma visão retrógrada, o que é ruim para reforma psiquiátrica e para a reforma sanitária, pois atenta exclusivamente para a visão mercadológica da saúde, indo contra os movimentos e entidades que defendem a universalização da saúde pública, gratuita, com equidade, como direito, em defesa da vida. Por isso, estamos sempre na luta, com entidades parceiras como o CFESS, que inclusive está nos apoiando na realização do 2º Fórum de Direitos Humanos e Saúde Mental, que ocorrerá de 4 a 6 de junho na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com importantes discussões e atividades culturais.
*Fonte: CFESS