A mobilização (Ocupa Brasília) da última terça-feira (29/11), organizada por diversos movimentos populares, movimento estudantil e centrais sindicais, tinha como principal foco o protesto contra a Proposta de Emenda Constitucional 55/2016, a “PEC do Fim do Mundo”, que congelará os investimentos sociais por 20 anos. A ideia era pressionar parlamentares para que votassem contra a Proposta.
Cerca de 30 mil pessoas participavam da manifestação na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF), uma das maiores desde 2013. A juventude era destaque do ato, com estudantes secundaristas e de universidades de todo o Brasil, juntamente com trabalhadores e trabalhadoras de todas as áreas, inclusive do Serviço Social.
Entretanto, em um país onde o governo é ilegítimo, a resposta do Estado a esse tipo de mobilização é antidemocrática e repressora: a polícia militar e o batalhão de choque, num ataque desproporcional e covarde, resolveram afastar e expulsar toda a manifestação da Esplanada, impedindo que as pessoas pudessem acompanhar a votação dentro do Congresso Nacional. A PM ainda tentou justificar os ataques como uma resposta a atos de vandalismo, mas, obviamente, o que se viu foi uma repressão similar a dos tempos da ditadura.
Vandalismo mesmo ocorria dentro do Congresso, de onde parlamentares assistiam pelos vidros, em cafés e coquetéis, o povo brasileiro sendo massacrado pela polícia. Mais tarde, o mesmo grupo de parlamentares cometeria outro ato de vandalismo, aprovando em 1º turno a PEC que atinge diretamente os direitos sociais.
“Covardia e desrespeito ao nosso direito de manifestação e de participação no debate público de um tema que afetará profundamente a população!”, disse a conselheira do CFESS, Josiane Soares, durante a manifestação. Além dela, pelo CFESS, participaram Alessandra Ribeiro, Daniela Castilho, Erlênia Sobral e Sandra Teixeira.
Josiane lembrou também que o Congresso Nacional, que seria a casa do povo, não permitiu a entrada do público. “É um absurdo o que este governo ilegítimo está fazendo. Mas o Serviço Social está nas ruas, junto com as demais categorias da classe trabalhadora. Nada a temer!”, reforçando o tema da campanha do Conjunto CFESS-CRESS contra a regressão de direitos.
Manifestantes foram sufocados/as pelas dezenas de bombas de gás lacrimogênio lançadas pela PM, que também espancou e prendeu estudantes. A organização pedia à PM para cessar os ataques contra as pessoas, mas a resposta era a de mais bombas e mais violência.
A professora da UERJ, Elaine Behring, que estava na manifestação, resumiu o ocorrido: “A manifestação iniciou pacífica, cheia de energia de luta contra o vandalismo que essa medida representa para o povo brasileiro. Mas esse governo golpista não tem escuta. Esse Senado não tem escuta. Desencadeou uma repressão violenta sobre a manifestação. O governo Temer é o vandalismo e a calamidade nacional. Não aceita a divergência, porque feriu profundamente a democracia. Nada justifica a verdadeira expulsão que vivemos hoje, a chuva de bombas de gás destinada a nos dispersar com violência, a cavalaria e os rasantes do helicóptero da PM”.
Relato similar ao da assistente social e professora da UnB, Lívia Barbosa. “A manifestação foi majoritariamente pacífica, com pessoas de todas as idades e regiões e um destaque importante da presença da juventude. Colegas e estudantes de Serviço Social do Brasil todo, de várias universidades e instituições. A manifestação seguia pacífica até que houve um conflito pontual e uma resposta desproporcional da polícia em um local de grande evidência: todos puderam ver o que aconteceu. A truculência e brutalidade da polícia persistiram e marcaram esse momento. Foi revoltante, um grande desrespeito à livre manifestação popular”, contou.
A professora ainda completou: “o povo compareceu massivamente para lutar contra a PEC 55. É uma proposta humilhante, que prevê o congelamento por 20 anos dos recursos para as chamadas despesas primárias, como saúde, educação e assistência, mas que não prevê nenhum limite para os gastos com a dívida pública e com as políticas econômicas do Banco Central que visam a lucratividade dos bancos e investidores internacionais. A PEC é um completo descaso com o povo brasileiro e com o atendimento às necessidades humanas em favor do capital”.
A estudante de Serviço Social da UnB, Pâmela Leal, que está participando do movimento Ocupa UnB, ficou estarrecida com o que aconteceu na Esplanada dos Ministérios. “A capital federal recebeu uma manifestação nacional disposta a lutar contra desmontes que afetarão a vida da população por tempo indeterminado, tendo em vista que os desmontes como os propostos pela PEC 55 não serão revertidos em menos de quarenta anos. E fomos recebidas a pauladas e repressão descabida!”, denunciou. Não só ela, mas outras centenas de pessoas foram atingidas pelos gases lançados pela PM.
Obviamente, a mídia tradicional se ocupou em dar visibilidade para os casos isolados de manifestantes que revidaram com depredação os ataques da PM. Esta se aproveitou para dissipar toda a manifestação.
Para a imprensa, carros depredados são mais importantes que estudantes massacrados e violentados, ou que a população usurpada em seu direito.
E a “PEC do Fim do Mundo” acabou sendo aprovada tranquilamente pelo Senado, que votará em dezembro a matéria em segundo turno.
Entretanto, os movimentos populares prometem mais luta. E o Serviço Social estará presente!
Sobre a PEC 55 (antiga 241): o corte não é de “gastos”, mas de investimentos
- Se você ainda não se convenceu que a PEC e outras medidas temerárias do governo Temer são uma afronta aos direitos da classe trabalhadora e atingem, inclusive, as condições de trabalho da categoria, é fundamental se informar por outros meios de comunicação, para além da mídia tradicional. Não à toa, o CFESS defende a democratização da mídia, para acabar com as oligarquias dos meios de comunicação no Brasil.
Nos blogs da Boitempo e do Marxismo 21 estão disponíveis dossiês que apontam os retrocessos da PEC 55 (antiga 241), rebatendo argumentos falaciosos usados para justificar as medidas.
Num texto de Laura Carvalho, por exemplo, professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC), ela explica que a PEC atingirá a população mais pobre.
“(A PEC) não só comprime despesas essenciais e diminui a provisão de serviços públicos, como inclui sanções em caso de descumprimento que seriam pagas por todos os assalariados. Se o governo gastar mais que o teto, fica impedido de elevar suas despesas obrigatórias além da inflação. Como boa parte das despesas obrigatórias é indexada ao salário mínimo, a regra atropelaria a lei de reajuste do salário mínimo impedindo sua valorização real — mesmo se a economia estiver crescendo. O sistema político tende a privilegiar os que mais têm poder. Reajusta salários de magistrados no meio da recessão, mas corta programas sociais e investimentos. Se nem quando a economia crescer, há algum alívio nessa disputa (pois o bolo continua igual), é difícil imaginar que os mais vulneráveis fiquem com a fatia maior”, diz trecho.
Outro texto, de Guilherme Boulos, dirigente do MTST, refuta o argumento de que é preciso conter a dívida pública. “O argumento utilizado por Temer – repetido à exaustão na mídia por gente como Miriam Leitão, Carlos Alberto Sardenberg e outros do mesmo clube – é que é preciso conter a dívida pública, tratada como o grande problema nacional. A proporção da dívida em relação ao PIB, crescente no Brasil desde 2014, é hoje de 66,2%. Nos Estados Unidos, esta proporção é de 104%, na União Européia de 90% e, mesmo na austera Alemanha alcança 71%, acima da brasileira. Nenhum desses países e regiões resolveu congelar investimentos por 20 anos. Não há notícia no mundo de uma medida draconiana desta natureza, ainda menos como cláusula constitucional”, diz trecho do texto.
“É importante que a categoria se mobilize contra a PEC. Afinal, o congelamento de investimentos vai atingir as políticas sociais, onde majoritariamente trabalha a maior parte das assistentes sociais”, destacou a conselheira do CFESS, Daniela Castilho.
Veja o dossiê da Boitempo sobre a PEC 55Confira também o dossiê do blog Marxismo 21
*Fonte: CFESS