Hoje (25) marca o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha. No Brasil, o Mapa da Violência de 2015 mostrou que o Sistema Único de Saúde (SUS) atendeu 23.630 mulheres vítimas de violência sexual. Dados da Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180 (serviço da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres), registraram, em 2015, cerca de 10 casos de violência sexual por dia, com um aumento de 165,27% no número de estupros em relação ao levantamento anterior, computando a média de oito estupros por dia, um a cada três horas.
Casos recentes, como os estupros coletivos ocorridos em algumas cidades do Brasil nas últimas semanas, mostram que essa é uma triste realidade que tem sido estampada nos meios de comunicação, contra mulheres, em especial as negras, pobres e lésbicas.
O Serviço Social historicamente abarca, como um de seus campos de luta, os direitos humanos das mulheres, tendo participado das Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres, bem como se aliando aos movimentos sociais que lutam nesta vertente. É importante destacar que um grande número de assistentes sociais atua em espaços de acolhimento e atendimento às vítimas de violência, em especial a violência sexual.
Para debater sobre o assunto e trazê-lo à categoria, o CFESS entrevistou duas assistentes sociais da área. A primeira é a assistente social Maria Elisa Braga, que atuou por 21 anos no Centro de Referência da Mulher – Casa Eliane de Grammont, em São Paulo, onde realizou atendimento às mulheres vítimas de violência. Quem também contribuiu na discussão foi a assistente social Valquiria Ferreira, que trabalha no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisan), unidade da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Confira abaixo a conversa.
CFESS – De que modo se dá o primeiro atendimento do/a assistente social à mulher vítima de violência sexual?
Valquiria Ferreira – O/A assistente social, na equipe multidisciplinar que recebe a vítima de violência sexual, é preferencialmente o primeiro profissional que vai acolher a mulher/adolescente vítima de violência doméstica e sexual, quando essa procura o serviço. É quem informa sobre direitos sexuais e reprodutivos, identifica e orienta sobre as situações de risco para a violência contra a mulher, informa para a usuária as condições determinadas pelo Ministério da Saúde para esse tipo de atenção e notifica a violência ao setor de vigilância epidemiológica. Todo o atendimento é registrado em prontuário específico e é importante que seja realizado em ambiente que garanta o sigilo das informações prestadas.
CFESS – Qual é o papel e a importância do/a assistente social neste processo?
Maria Elisa Braga – Após as medidas emergenciais, a vítima precisa ser acompanhada durante, um longo período, pela equipe (médicos/as, defensoria, psicólogos/as, assistentes sociais, dentre outras profissões), para que, ao enfrentar a violência sofrida e suas sequelas, consiga retomar sua vida com dignidade e apoio. A/O assistente social, por sua formação e direção ética e política, é um/a profissional preparado/a para compreender todas as dimensões que esta violência acarreta: policial, jurídica, médica, socioassistencial , psicológica e, muitas vezes, de proteção extrema, como a orientação da retirada da vítima da região/município em que vive, e muitas vezes de sua família também. Nesse sentido, também estamos atentas/os, para acionar a rede de atendimento e suporte a todo tipo de necessidades que um caso como este requer. Por exemplo, os movimentos sociais, como o feminista, para que, junto com a/o assistente social, pressione e monitore para que os serviços das políticas sociais, da segurança e justiça funcionem para garantir a atenção e atendimento de qualidade.
CFESS – Como se dá a orientação relativa à profilaxia necessária à vítima de violência sexual? E em relação ao aborto? Que normativas regem essas duas questões?
Valquiria Ferreira – A profilaxia das doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e da gravidez indesejada é um procedimento clínico, que, no serviço, é orientado no atendimento médico e de enfermagem. Ao/À assistente social, neste processo, cabe reforçar a importância do mesmo junto às usuárias, agendar e acompanhar os retornos. Nos casos do aborto previsto em lei, são disponibilizadas todas as informações relativas ao procedimento, inclusive as possibilidades de doação da criança, quando a mulher não deseja abortar, mas também não quer a criança. Dentre as normativas sobre a questão, estão a Norma Técnica do Ministério da Saúde sobre a Prevenção e Tratamento dos Agravos resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes e a Portaria nº 1.508, de 1º de setembro de 2005 do Ministério da Saúde, que dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do SUS.
CFESS – Sendo uma assistente social que lida com a luta dos direitos da mulher, como avalia a nomeação da nova secretária de políticas para as mulheres, Fátima Pelaes, que já se manifestou contrária ao aborto em casos de estupro?
Maria Elisa Braga – A nomeação é um absurdo. É uma violência com as mulheres e toda a sociedade que trabalha para desconstruir as desigualdades de gênero, as violações, violências e opressões decorrentes deste capitalismo patriarcal e de sua ideologia machista. Essa nomeação desconsidera e joga fora a luta histórica das mulheres por respeito, cidadania e emancipação. Esta luta, na qual o Serviço Social se insere historicamente, envolve a defesa da descriminalização e da legalização do aborto. Nesse sentido, constituímos uma profissão que não pode apoiar nem reconhecer como legítima a nomeação de alguém que, ao assumir uma secretaria que deve consolidar e ampliar os direitos das mulheres, traga projetos que estimulem a manutenção de suas mortes (já que, na maior parte do Brasil, o aborto inseguro é a terceira causa de morte materna).
*Fonte: CFESS